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Paraguai/presidência

Paraguai começa a sair do limbo internacional com eleição de Cartes

A eleição de Horacio Cartes é um passo fundamental para o Paraguai sair do isolamento regional. Os países vizinhos já começaram com os primeiros contatos de reinserção internacional. Cartes descartou participar da próxima reunião de cúpula do Mercosul como presidente eleito. 

O presidente eleito do Paraguai, Horacio Cartes, tem um passado nebuloso.
O presidente eleito do Paraguai, Horacio Cartes, tem um passado nebuloso. AFP PHOTO/Pablo PORCIUNCULA
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Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

Menos de 24 horas depois da eleição do empresário paraguaio Horacio Cartes, o Mercosul deu sinais claros de querer o Paraguai de volta ao bloco. O presidente uruguaio, José Mujica, na presidência temporária do Mercosul, convidou o eleito Cartes à próxima reunião de cúpula do bloco em junho, em Montevidéu. O presidente eleito decidiu rejeitar o convite porque só vai assumir o cargo dois meses depois. Mas disse que o retorno do Paraguai ao Mercosul é "importante demais". Mesmo assim, os presidentes do Mercosul poderiam decidir pela imediata reintegração do Paraguai ou formalizar esse regresso para depois da posse de Cartes em 15 de agosto.

O Paraguai foi suspenso do Mercosul e da Unasul (União Sul-americana de Nações) em junho passado logo após um processo de impeachment relâmpago que destituiu o então presidente Fernando Lugo. Para os países sul-americanos, houve um golpe institucional que significou a ruptura da ordem democrática, condição para pertencer aos blocos regionais. A exigência para a reintegração do Paraguai era a realização de eleições democráticas.

Sem o Paraguai no bloco, os demais membros incorporaram imediatamente a Venezuela cuja adesão era impedida pelo Senado do Paraguai. E quem bloqueava a entrada da Venezuela eram justamente os legisladores do partido Colorado, o mesmo do novo presidente eleito.

O parlamento paraguaio não só rejeitou a adesão da Venezuela como também declarou "persona non grata" o então chanceler, Nicolás Maduro, por intrometer-se em assuntos internos paraguaios. Maduro é hoje presidente da Venezuela. Paraguai e Venezuela não mantêm relação diplomáticas desde o ano passado. O nó da reinserção do Paraguai na política internacional pode não ser tão simples de ser desatado.

Com uma visão pragmática e empresarial, Cartes disse que vai tentar convencer os legisladores. A dúvida é se o Paraguai, membro fundador do Mercosul, poderia questionar legalmente a adesão da Venezuela.

"Temos dois caminhos: ou ficamos olhando para trás e permanecemos ancorados na Guerra do Paraguai (Tríplice Aliança Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai 1865-70) ou colocamos toda a nossa disposição em consertar os erros", ponderou.

Mas não há dúvida quanto à disposição dos países vizinhos. A presidente argentina, Cristina Kirchner, também exaltou "a exemplar jornada cívica" das eleições paraguaias e disse ao presidente eleito: "Esperamos por você no Mercosul".

A chegada de Cartes rompe o isolamento político do Paraguai. A penalidade aplicada pelo Mercosul foi política. Mesmo durante o período de castigo, as exportações paraguaias ao Mercosul aumentaram em 30% e o Paraguai vende 80% dos seus produtos aos países vizinhos.

Cartes: perfil com claros e escuros

Com 126 anos de história, o conservador Partido Colorado paraguaio pode ser considerado um dos mais antigos da América Latina, mas o presidente eleito é o que menos experiência política tem. Entrou para a política partidária há apenas quatro anos e até domingo nunca tinha nem votado numa eleição (sempre se absteve por não acreditar na política).

Horacio Cartes, de 56 anos, posa de novidade e promete "mudar o rumo do Paraguai", mas o novo líder está amarrado à velha máquina clientelista, corrupta e populista do partido que ficou 61 anos ininterruptos no poder até 2008, quando o ex-bispo Fernando Lugo rompeu com essa hegemonia até ser destituído há um ano. O resultado recoloca o Colorado no poder pelos próximos cinco anos.

O trampolim eleitoral de Cartes foi o futebol. Como presidente do Libertad desde 2001, viu a equipe conquistar sete campeonatos, o melhor desempenho da história do clube. Com isso, passou a ser dirigente da Associação Paraguaia de Futebol com influência na formação da seleção paraguaia de futebol.

É praticamente impossível encontrar um paraguaio que não tenha bebido alguma das sua bebidas, fumado algum dos seus cigarros, vestido alguma das suas roupas, comido alguma das suas carnes e até feito um tratamento de obesidade num dos seus centros médicos.

Investiu 20 milhões de dólares próprios na sua campanha. Como possui 26 empresas que dão emprego a mais de 3.500 pessoas, os eleitores tiveram a percepção de um empresário que administra as suas empresas com sucesso e que pode administrar o país com a geração de emprego. Embora o Paraguai tenha crescido economicamente a taxas de dois dígitos anuais em base no agrobusiness, a capacidade de absorção de mão-de-obra no campo é baixa. O país não possui indústrias.

As demandas dos eleitores baseiam-se na geração de empregos, no combate à violência e no combate à corrupção embora os subornos e o desvio de dinheiro sejam parte da paisagem no Paraguai.

Porém o bem-sucedido empresário está envolto em suspeitas − nunca provadas − de corrupção, de lavagem de dinheiro através do seu banco Amancay e de contrabando de cigarro ao Brasil e até de narcotráfico. Um avião pousou numa das suas fazendas com carregamento de maconha e cocaína sem que o empresário pudesse dar explicações a não ser negar qualquer vínculo com a carga.

Comunicados da diplomacia americana de dezembro de 2010, vazados pelo Wikileaks identificavam Cartes como a “cabeça de organização de lavagem de dinheiro na Tríplice Fronteira” (com Brasil e Argentina).

É uma incógnita o que pensa. Durante a campanha, não apresentou um plano de governo nem concedeu entrevistas à imprensa estrangeira. Nas poucas aparições na imprensa paraguaia, não desenvolveu um projeto político, mas não teve papas na língua ao comparar homossexuais com “macacos” e ao dizer que "atiraria nas suas partes íntimas se seu filho fosse gay". As declarações afastaram os setores progressistas, mas tiveram eco no interior conservador e de linguagem simples.

Pretender manter a situação agrária atual num país com forte demanda por reforma agrária. Mais e mais camponeses incham as cidades devido ao avanço do cultivo da soja que faz o país crescer como nunca, enriquece os proprietários, mas cuja riqueza não se derrama a 40% da população na pobreza.

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