Rússia apostou na segurança alimentar
Nikolai Vavilov, inventor russo da teoria dos « centros da diversidade » é alvo de destaque no Pavilhão russo da EXPO-2015. No entanto a sua lição não foi ouvida : pelo menos cerca de 30 espécies que ele procurava proteger deixaram de existir.
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Se há um homem que podia ter respondido à pergunta : « Como alimentar o planeta » é mesmo Nikolai Vavilov, botânico e perito russo em genética russo (1887-1943) de renome mundial que consagrou a vida à luta contra a fome.
O pavilhão russo em Milão abriu a sua apresentação com uma instalação de tábuas com legumes oriundos das dezenas de expedições de Vadilov à volta do mundo. Impressionado enquanto jovem pelas cenas de camponseses a definhar de fome nas margens do rio Volga, este investigador genial tornou-se criador da bio-etnologia e da teoria dos « centros de diversidade », zonas bio-geográficas nas quais existe uma forte variação genética para uma espécie específica.
O banco das sementes fundado com base nestas colecções é apresentado no Pavilhão russo sob a forma de uma parede iluminada por tábuas presentes. A colecção é preciosa pelo seu alcance científico e parece-se, devido à delicadeza dos seus objectos, com os herbanários medievais. A lição de Vavilov não foi porém ouvida : pelo menos cerca de trinta espécies que ele quis proteger já não existem.
Na parede oposta, uma outra instalação luminosa reproduz o « Quadro periódico dos elementos químicos » descoberto por Dmitri Mendeleev no século XIX.
O regresso ao passado continua no piso superior, no restaurante. A decoração evoca a do Transsiberiano dos anos 50 do século passado, o famoso vagão restaurante dos comboios soviéticos com os seus porta-copos, o seu chá intenso e a sua vodka. O pavilhão russo imprimiu mesmo a nostalgia na sua ementa milanesa.
A vodka bem como bebidas nacionais menos conhecidas do público internacional suscitam o entusiasmo dos visitantes no « Bar de água”. O “kvass”, bebida antiga de centeio fermentado é há já muito tempo símbolo da cozinha russa… e do patriotismo imposto pelos poderes que voltou a estar na moda no país. “Patriotismo do kvass” ou “nacionalismo xenófobo” nascera na época napoleónica quando as personagens de Tolstoi substituíam aquando das reuniões da corte imperial, o champanhe francês pelas bolhas nacionais. Esta atitude renasce na Rússia contemporânea.
“Importo-zamechenie” ou a substituição dos produtos de importação, é fortemente encorajado pelos poderes como resposta às sanções ocidentais contra a Rússia.
O kvass também está em destaque no espaço consagrado às obras-primas da cozinha. Ele é utilizado nomeadamente como molho pelo jovem chefe Anton Kovalkov (restaurante moscovita « Farenheit ») para a versão russa do risotto.
Em vez do arroz o prato compõe-se de três cereais antigos : a cevada, a espelta e o trigo sarraceno. As provas gratuitas têm lugar seis vezes por dia, os pratos mudam de dois em dois dias para o prazer dos visitantes na posse de um « pass » permanente, mas os ingredientes esquecidos e antigos são apresentados em cada uma das provas.
O espaço dedicado à culinária é construído com a forma de um grande livro aberto. Além de qualquer simbolismo que este design poderia imprimir, trata-se de um livro em concreto. Os organizadores do pavilhão, com a ajuda da editora « Chernovic » publicaram uma obra colectiva com o nome de « Cozinha da Rússia, regional e contemporânea ».
O presidente do « Chernovic » Serguei Chernov alega não ter visado uma dimensão enciclopédica : « Gostaríamos conceber sobretudo um álbum bonito para mostrar a todos os que não conhecem a Rússia, tanto os estrangeiros como os nossos compatriotas, que estas cozinhas
O livro é muito bem ilustrado : junto com as fotografias dos pratos e desenhos de hortaliças, cereais e frutos ele contém também magníficas paisagens russas de fotógrafos ilustres. Acompanham os capítulos dedicados às grandes regiões da Rússia do Cáucaso até à Sibéria e ao Extremo Oriente, também espaços para as mais de 100 variedades de cogumelos, tão amados pela cozinha russa, e receitas antigas adaptadas à vida moderna.
« As receitas deveriam ser simples e fáceis para os amadores de cozinha, tal era a condição sine qua non», sublinha Sergei Chernov.
O terceiro andar do pavilhão russo é um local particularmente apreciados pelos visitantes da Exposição. Trata-se do tecto mais alto e com a vista mais bonita, à parte a Itália (« não teria sido educado construir mais alto do que o país anfitrião » sorri a representante do pavilhão russo Maria Youdina).
No serão e até à meia-noite ele transforma-se em bar com animações e música. A escada que leva até lá está decorada com cartazes soviéticos sobre temas agrícolas.
Os kolhózios apresentam belíssimas espigas de trigo, num apelo aos seus compatriotas para alimentar ainda melhor a pátria soviética. A data da criação destas obras coincide com a morte de Nikolai Vavilov no Goulag estalinista de distrofia, ligada a uma sub-alimentação aguda.
Guélia Pevzne, do serviço em russo da RFI
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