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Confrontos/Sudão

Sudão: "Os próximos dias vão ser de guerra"

No Sudão, vive-se este domingo o segundo dia de confrontos violentos entre o exército regular e as forças paramilitares de Apoio Rápido, que pretendem controlar o país. O conflito já se espalhou para várias cidades e, de acordo com o sindicato dos médicos do Sudão, há já registo de pelo menos 56 mortos e centenas de feridos.

O fumo emana de um bairro central de Cartum, depois de dezenas de pessoas terem sido mortas em dois dias de intensos combates. O exército sudanês e o poderoso grupo paramilitar estão a lutar pelo controlo do país. 16 de Abril de 2023.
O fumo emana de um bairro central de Cartum, depois de dezenas de pessoas terem sido mortas em dois dias de intensos combates. O exército sudanês e o poderoso grupo paramilitar estão a lutar pelo controlo do país. 16 de Abril de 2023. AP - Marwan Ali
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Em entrevista à RFI, Maria Ferreira, investigadora portuguesa e docente universitária do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, afirma que estamos perante um conflito que é muito "preocupante", naquele que é o terceiro maior país africano.

"Este conflito é muito preocupante. Em primeiro lugar, demonstra a importância de operações de reforma no sector de segurança em África e em todos os estados em que se prevê que os processos de transição para a democracia possam ser perturbados por golpes ou pela intervenção de milícias paramilitares, como está a acontecer no Sudão. Só existe democracia com a normalização das relaçoes entre a normalização das forças militares, paramilitares e o sistema político, sendo esta uma questão que extravasa em muito o continente africano", começou por referir, em entrevista à RFI.

Maria Ferreira fala depois de um segundo aspecto importante relacionado com as forças paramilitares: "É preciso notar que as Forças de Apoio Rápido, que estão na base da sublevação militar que começou ontem de manhã, mas que já se vem a notar há uns meses, liderada pelo general Mohammed Hamdan Dagalo e que combateram brutalmente os rebeldes no Darfur. Aliás, o general Dagalo é culpado de crimes graves e de violação de direitos humanos. Estas forças já interviram noutros conflitos no continente africano, nomeadamente no Iémen e na Líbia".

Maria Ferreira considera que este conflito tem, não só uma importante dimensão "doméstica", como também uma importante dimensão "internacional". 

"Esta milícia militar controla alguns dos mais importantes recursos naturais do Sudão, designadamente as suas minas de ouro. É, em parte, esta milícia paramilitar que interrompeu o processo de transição democrático, que se tinha iniciado no Sudão, em 2019, quando o Presidente Omar al-Bashir foi deposto após 30 anos no poder, portanto, é uma questão particularmente grave num país que é o terceiro maior país de África, o terceiro maior país do mundo Árabe, em que 1/5 da população vive abaixo da linha internacional da pobreza. É também considerado o quarto país mais corrupto do mundo e um dos cinco países onde a situação de fome é mais alarmante", concluiu a nossa entrevistada.

Ouça aqui o comentário da investigadora portuguesa Maria Ferreira:

01:39

Comentário professora Maria Ferreira, Sudão, 16-04-2023

Os habitantes da capital, Cartum, e de várias outras cidades vivem com sobressalto os acontecimentos dos últimos dois dias no país. As lutas de rua e os ataques aéreos têm sido uma constante. A solidariedade entre habitantes foi organizada à pressa, como explicou Huzeifa Hassan, um professor francês em Cartum, em entrevista à RFI.

"Como não temos abrigos, em casos como este, só sabemos pelas redes sociais se as pessoas têm espaço dentro de casa para acolher alguém, para as proteger da situação nas ruas, sobretudo, nas ruas principais da cidade, como a rua do aeroporto, que passa em bairros como Riad, Amarrad e Sarrafa," começou por referir.

Depois, este docente explicou que a maioria das pessoas tenta proteger-se como pode. "Há muitos conflitos armados e a maioria das pessoas tenta protefer-se, tenta colocar-se em abrigos no subsolo com esse propósito. Vimos casos de feridos e de mortos, que foram baleados, aqui e acolá. Honestamente, espero que isto pare, qualquer que seja a fação militar que chegue ao poder".

"Não queremos que as pessoas morram, não queremos perder as nossas vidas. Não queremos agravar a situação. Espero que até amanhã a vida normal possa regressar e que eles tentem conversar ou abrir canais de diálogo entre os dois. Assim, a situação irá, mais ou menos, acalmar", concluiu.

"Os próximos dias vão ser de guerra"

Por seu turno, Raúl Braga Pires, especialista português do Magrebe e mundo árabe, salienta que os próximos dias serão de violência no Sudão, até que ambas as partes voltem à mesa das negociações.

"Os próximos dias vão ser de guerra. Os próximos dias vão ser de imposição de força, ganhar activos, ganhar terreno, ganharem argumentos para se sentarem à mesa das negociações. Eu creio que a próxima semana vai ser uma semana de espirar de violência, até porque já está espalhada pelo território todo. Há um problema também de still over para o sul, para o Sudão do Sul e para outros países vizinhos", começou por referir.

Raúl Braga Pires acredita numa "posição de forças" entre as duas fações militares no país para que "ao fim da semana ou ao fim de 15 dias se contabilizar o que é que os activos de uma parte têm e o que é que os activos de outra parte têm e que se possam sentar à mesa para negociar".

"Esta semana vai ser certamente de guerra generalizada no Sudão e a partir de um determinado ponto, quando ambas as partes tiverem poder negocial, sentar-se-ão à mesa", rematou ainda o politólogo.

Ouça aqui o comentário do politólogo Raúl Braga Pires:

00:57

Comentário politólogo Raúl Braga Pires sobre Sudão, 16-04-2023

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