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Economia

Falência do banco SVB: "São necessárias políticas firmes"- Bruno Damásio

O Presidente americano Joe Biden, bem como as autoridades europeias tentaram ontem tranquilizar os mercados e os investidores depois da aparatosa falência na semana passada do banco californiano SVB - Silicon Valley Bank, conhecido pelos seus elos privilegiados com o sector das tecnologias, que desencadeou por acréscimo a falência de duas outras instituições mais ligadas ao sector das cripto-moedas, a Signature Bank e a Silvergate Bank.

Segundo o economista Bruno Damásio, a falência do SVB pode ter impacto nos sistemas financeiros ocidentais.
Segundo o economista Bruno Damásio, a falência do SVB pode ter impacto nos sistemas financeiros ocidentais. REUTERS - DADO RUVIC
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Na semana passada, recorde-se, o banco SVB lançou um aumento de capital de 1,75 mil milhões de dólares para consolidar o seu balanço, provocando uma queda do preço das suas acções em 60%, o que gerou um movimento de pânico dos investidores. Segundo especialistas, esta situação somada à falta de supervisão das entidades reguladoras poderão ter precipitado a falência deste banco.

Reagindo ontem àquela que é considerada a mais grave falência bancária desde a crise financeira de 2008, o Presidente americano declarou que os "americanos podem confiar na solidez do sistema bancário" e garantiu que os contribuintes não terão de pagar nada por esta ocorrência. Joe Biden avisou, por outro lado, que os accionistas não iriam receber "protecção" face aos prejuízos.

A nível mundial, as bolsas de valores conheceram algumas perturbações, mas segundo a agência de notação Moody's, isto deveria ter um impacto limitado sobre os estabelecimentos europeus. Apesar de uma acalmia geral nas bolsas nesta terça-feira, não está contudo afastado o receio de um contágio do sistema bancário mundial, à semelhança do que sucedeu em 2008, refere o economista Bruno Damásio, consultor junto da OCDE e professor na Universidade Nova de Lisboa.

RFI: Em que circunstâncias é que se deu esta falência?

Bruno Damásio: Há aqui uma situação estrutural. Nós sabemos que os sistemas financeiros em geral são sistemas débeis sobretudo em alturas de turbulência como aquela que vivemos agora. É preciso aqui notar que este era um banco de uma dimensão considerável que estava entre os vinte maiores dos Estados Unidos em termos de activos. Trata-se aqui da maior falência bancária desde 2008. Este era um banco muito implantado na área empresarial, sobretudo no sector tecnológico, designadamente muitas 'start-ups'. Percebeu-se que havia ali alguma engenharia financeira na medida em que o balanço do banco não reflectia a sua situação real. Houve uma falta de liquidez e de capital provocada essencialmente por uma corrida massiva dos clientes do banco e gerou-se uma situação de pânico. Os clientes começaram a levantar o dinheiro que tinham por vários motivos, por uma questão de pânico mas também por necessidade de liquidez. Isto conjugado com uma subida da taxa de juro, que por um lado veio desincentivar os investimentos de risco e por outro lado veio penalizar o sector da banca na bolsa. Os activos do banco desvalorizaram e portanto, a partir daí, aconteceu aquilo que nós sabemos, o banco faliu com consequências que se adivinham potencialmente muito problemáticas.

RFI: Tem havido nestes últimos dias mensagens tanto do lado dos Estados Unidos, como também da Europa no intuito de fazer com que os mercados fiquem tranquilos perante esta falência. Não há risco de contágio? Não há risco de um cenário semelhante àquele que aconteceu em 2008?

Bruno Damásio: Eu creio que há. Naturalmente estão a cumprir o seu papel, diminuir o pânico, diminuir o contágio. Portanto há aqui uma pressão simbólica também neste caso. Agora, se se continuar com esta política de subida das taxas de juro que penaliza não só o sector da banca em geral, mas também as populações em particular -e muito- a subida das taxas de juro está a ter efeitos dramáticos na vida das pessoas, estou convicto que a situação não vai ficar por aqui e o que se adivinha não será bonito de se ver. São necessárias políticas firmes. Aliás, nós percebemos que há aqui dois pesos e duas medidas relativamente à forma como este banco está a ser tratado por parte da administração norte-americana. Agora, nada nos garante -e sinceramente estou particularmente preocupado- que esta falência não terá efeitos colaterais fortes e que se estenda de certa forma a todo o sistema financeiro não só nos Estados Unidos, mas também do mundo ocidental em geral, porque os sistemas financeiros ocidentais são sistemas financeiros débeis que em alturas sobretudo de turbulência, fica cru os problemas estruturais de que padecem.

RFI: A seu ver, o que seria necessário para evitar que se reproduzam cenários deste género?

Bruno Damásio: Seria necessário uma reforma institucional profunda. Seriam necessárias políticas que sirvam os interesses das pessoas. Nós vemos o sector financeiro que está essencialmente ao serviço do grande capital eminentemente especulativo. É necessário haver um controlo de preços, nomeadamente um controlo das taxas de juro. Sse se continuar com estas políticas delirantes de subidas de taxas de juro para combater uma inflação que nem sequer é do lado da procura, eu não tenho dúvidas de que o sistema financeiro mais tarde ou mais cedo colapsará novamente. Aliás esta é a génese do capitalismo, é assim que as coisas funcionam.

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