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Os resultados das autárquicas com valor de barómetro político na África do Sul

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Foram oficialmente anunciados ontem os resultados das autárquicas de segunda-feira na África do Sul. Pela primeira vez em 27 anos, o ANC no poder não obteve a maioria absoluta, recolhendo pouco mais de 46% dos votos. Em segundo lugar ficou o principal partido de oposição, Aliança Democrática, com um pouco mais de 21% dos votos e, em terceiro lugar, estão os radicais Freedom Fighters (EFF) de Julius Malema cujos resultados rondam os 10% de votos.

As eleições locais decorreram no passado dia 1 de Novembro de 2021 na África do Sul.
As eleições locais decorreram no passado dia 1 de Novembro de 2021 na África do Sul. AFP - EMMANUEL CROSET
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Estas eleições têm valor de barómetro para o ANC numa altura em que o partido está a preparar-se para o seu congresso nacional no ano que vem, sendo que as próximas eleições gerais estão previstas para 2024.

O partido de Nelson Mandela tem conhecido dificuldades, devido aos múltiplos escândalos de corrupção envolvendo os seus dirigentes nomeadamente o antigo presidente Jacob Zuma, e devido também a um contexto de crise económica e social profundas na África do Sul corroída por uma taxa de desemprego de mais de 34% e uma criminalidade galopante.

Um contexto que levou os eleitores a encarar a possibilidade de dar votos a partidos e figuras alternativas. O magnata Herman Mashaba, antigo membro da Aliança Democrática, lançou o seu partido Action SA no ano passado e recolheu nestas eleições 2,6% dos votos. Nascido em Soweto e popular em Joanesburgo onde foi autarca, ele tem vindo a ganhar mediatismo.

Ao analisar os resultados destas eleições, André Thomashausen, professor emérito de Direito Internacional na Universidade da África do Sul (UNISA) em Pretória, começa por falar-nos precisamente desta figura. "Trata-se de uma pessoa que cresceu num ambiente extremamente humilde e que conseguiu acabar a sua educação escolar, secundária, conseguiu fazer a sua vida e (...) muito rapidamente tornou-se multimilionário; é um homem que não precisa de pedir dinheiro a ninguém e depois, decidiu prestar uma melhor gestão municipal em Joanesburgo (...) ele diz que os problemas da África do Sul são problemas simples: melhorar a gestão para resolver coisas práticas, o fornecimento de água potável, o tratamento dos esgotos, o fornecimento de energia eléctrica, a limpeza das escolas e dos hospitais e penso que a equipa dele vai fazer exactamente isso", considera o universitário.

Questionado sobre o facto de mais de 45% dos eleitores não se terem deslocado às urnas, André Thomashausen comenta que "o abstencionismo é também um factor que tem a ver com o declínio económico e social. Mais de metade da população adulta não tem emprego, não tem fontes de vencimento e fazer o sacrifício de pagar um meio de transporte para chegar a um local de votação, realmente foi demasiado. A lenta e em parte má organização da votação em que as pessoas ficaram horas à espera ao sol, sem água, sem acolhimento, também não ajudou". O professor emérito considera igualmente que do lado do partido no poder, "há muito cinismo, porque o governo do ANC tornou-se um partido de oportunistas e de pessoas sem escrúpulos que entraram numa fase nos últimos dois anos em que praticamente qualquer posição, qualquer responsabilidade pública era abusada em benefício pessoal", o que "levou muita gente a desistir da votação", na óptica do analista.

Relativamente à possibilidade de o Presidente Ramaphosa ter evitado ao ANC um resultado ainda pior, André Thomashausen refere que "há quem diga agora que o ANC perdeu porque os antigos do ANC, os apoiantes de Zuma, foram afastados do processo eleitoral porque estão sob investigação e foram impedidos de se candidatarem, mas isso é um disparate. O que salvou o ANC, nesta altura, foi uma campanha muito pessoal e muito forte de Cyril Ramaphosa que se deslocou a todos os lados do país prometendo fazer melhor, apelando os eleitores para apoiá-lo para que ele possa continuar a sua campanha de 'limpeza' do partido".

Referindo-se aos possíveis impactos dos resultados eleitorais sobre o ANC, o professor emérito constata que "praticamente todos os organismos de base do ANC estão esquecidos, na passividade, não fazem reuniões, não têm debates, não elegem delegados." Neste sentido, do ponto de vista do universitário "tem que haver uma recuperação do partido nos seus organismos de base e, claro, na cúpula tem que haver uma maneira de o partido integrar gente mais nova, gente que represente a geração nova. A África do Sul é um país da juventude e a maior parte desta gente nem sequer tinha nascido no tempo do Apartheid, não conhecem o Apartheid e não têm interesse na história, não têm interesse na ala ideológica do ANC, querem é ter soluções e sucessos pragmáticos na vida quotidiana". Por conseguinte, do ponto de vista de André Thomashausen, "Ramaphosa terá de encontrar novos ministros que possam representar melhor esta realidade social. O governo actual tem uma média de idade de 68 anos. É um governo de velhos e isto tem que mudar."

Sobre os ensinamentos que os restantes partidos poderão tirar desta votação, nomeadamente a Aliança Democrática e o EFF de Julius Malema, o universitário julga que "Julius Malema teve a sua oportunidade e não conseguiu. Há uns poucos dias, anunciou que ia ganhar estas eleições com 65%, mas nem sequer conseguiu ultrapassar os 12% e esse extremismo verbal do EFF, também visto como o partido dos filhos de pais ricos que aparecem com carros caríssimos numa reunião ou numa manifestação, fez-lhe perder muito a sua credibilidade". Na óptica do professor de Direito, "o partido de oposição tradicionalmente branco, a Aliança Democrática, também viu as suas aspirações falhar um bocado porque se dedicou demasiadamente ao negativismo na sua campanha, em que criticava tudo e mais alguma coisa. Chegou a dizer que 30 anos de governação do ANC arruinaram a África do Sul e a grande massa da população, especialmente aqueles que trabalham e que conseguiram estabelecer uma pequena classe média, não quer ouvir estas histórias negativas, querem é ver uma visão positiva do futuro", conclui ainda o universitário.

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