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Economia de Cabo Verde: "a situação é muito grave" considera o líder do PAICV

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Ainda há dias, no começo do mês, o PAICV, 2° partido de Cabo Verde, organizou o seu 17° congresso, reunião magna durante a qual foram consagrados os novos órgãos de direcção do partido. Em entrevista à RFI, Rui Semedo, líder do PAICV desde Dezembro, evocou alguns dos dossiers em cima da mesa no seu país.

Rui Semedo foi eleito presidente do PAICV  a 19 de Dezembro de 2021.
Rui Semedo foi eleito presidente do PAICV a 19 de Dezembro de 2021. © Lusa
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O dirigente do principal partido de oposição de Cabo Verde abordou designadamente a recente promulgação pelo Presidente da República da lei proposta pelo governo do MPD instituindo a alteração do modo de supervisão do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado, isto apesar de ter devolvido em Janeiro esta proposta por defender que o fundo deveria permanecer sob a alçada do Banco Central.

O líder do PAICV também abordou connosco a situação económica do país, com o impacto da guerra na Ucrânia, a paralisação provocada pela covid-19 e igualmente, num aspecto mais lato, a seca que dura há 4 anos.

Noutro aspecto, Rui Semedo falou igualmente da transportadora aérea TACV que após um processo de privatização conturbado regressou no ano passado ao controlo do Estado e avançou para novas parcerias nomeadamente com a angolana TAAG, este sendo um dos dossiers acerca dos quais o líder do PAICV aponta divergências entre o seu partido e o executivo.

RFI: Apesar dos consensos alcançados, em que matérias identifica divergências com o executivo?

Rui Semedo: Há questões de partilha de informações que às vezes não acontecem da melhor forma. Há dossiers que têm a ver com algumas privatizações no país, em que há visões diferentes. Tem havido também críticas de processos pouco claros ou pouco transparentes, alguns dos quais ficaram pelo caminho e tiveram resultados extremamente maus, por exemplo a privatização da TACV, em que os processos iniciados tiveram um desfecho extremamente mau par ao país e para a transportadora e agora está numa nova fase praticamente de reinício com novos parceiros. Nós tínhamos criticado logo de início que a via encontrada não era a melhor. O PAICV é intransigente nas questões que têm a ver com a prestação de contas, com a boa gestão da coisa pública, com a transparência, com a disponibilização de informações fundamentais aos cabo verdianos e principalmente aos parlamentares que têm poderes e prerrogativas especiais de ter acesso a todas as informações necessárias.

RFI: Relativamente à TACV, como acha que deveria ser resolvida esta questão, agora que se está noutra fase?

Rui Semedo: Nós sempre dissemos que deveriam ser acautelados os interesses nacionais, deveria haver um parceiro estratégico que aportasse meios, experiências ou capitais e que deveriam também ser garantidas as condições para que a transportadora aérea nos ramos internacional pudesse chegar à nossa comunidade emigrada de maior concentração, designadamente Estados Unidos e a Europa, e que pudesse partir de mais do que um aeroporto internacional, não apenas do Sal, mas também na Praia e em São Vicente. Acho que, por exemplo neste momento, já se começou a também trabalhar essa ideia de voos também a partir da Praia e não apenas exclusivamente a partir do Sal e isso é bom. Com relação do ramo doméstico, nós defendemos durante muito tempo que deveria haver concorrência e não expor o país a um monopólio privado que poderia ter falhas. Foi claro que o processo anterior falhou e agora estamos numa nova fase, num novo processo, mas mesmo assim temos a preocupação de que sejam garantidas condições para que não haja um monopólio, que o mercado seja devidamente regulado, que a regulação funcione e que os cabo-verdianos tenham a possibilidade de realizar o seu direito de circular livremente dentro do território nacional, de uma ilha para outra.

RFI: Outro dossier que também esteve em discussão nestes últimos meses é a questão da alteração do modo de supervisão do Fundo Soberano que acabou por ser promulgada pelo Presidente da República. Qual é a visão do PAICV nesta matéria?

Rui Semedo: Aqui, o PAICV tinha uma visão clara que apresentou aquando da discussão da iniciativa, que o mecanismo de supervisão do fundo deveria estar centralizado no Banco Central que é a autoridade reguladora para o sector financeiro. Neste caso em concreto, seria o Banco Central e não uma outra instituição criada na dependência do próprio governo para fiscalizar o Fundo Soberano. Nesse aspecto há uma divergência clara no entendimento entre o governo e a oposição e a principal divergência residiu nesse aspecto do controlo que deveria ser, do nosso ponto de vista, exercido pelo Banco Central e não por uma instituição criada pelo próprio governo, o que significa que o governo se auto fiscaliza e foge à fiscalização do Banco Central.

RFI: O dossier agrícola também tem estado no centro das atenções após 4 anos de seca.

Rui Semedo: É verdade. Após 4 anos de seca mas também com uma crise que tem impacto na vida das pessoas, dos agricultores, em que a exigência é seguramente aumentar os investimentos para aumentar também a produção nacional e a produção da pecuária, para garantir o acesso a rendimentos às pessoas, para impedir o aumento do desemprego e para de certa forma também criar "almofadas" para os desafios da importação que são cada vez maiores neste contexto de crise. Somos dependentes da importação de cereais e vamos continuar a importar cereais, mas mesmo assim temos que criar condições para os produtos que podem ser produzidos a nível nacional. Aí ultrapassaríamos a agricultura 'stricto senso' para ir à questão da pecuária, mas também para ir ao mar, para a pesca e produtos do mar que possam garantir uma maior capacidade de produção alimentar a nível nacional. Neste aspecto, o desafio é enorme e nunca se colou tanto a necessidade de se investir para se produzir mais a nível do nosso mercado.

RFI: Muito se falou do impacto da guerra na Ucrânia sobre o aumento dos preços, mas antes de chegarmos a isto, estamos num contexto em que a covid-19 já teve o seu impacto na economia cabo verdiana.

Rui Semedo: Em Cabo Verde, a pandemia teve grandes impactos na vida das empresas, na vida das famílias e das pessoas, designadamente com a diminuição da oferta de emprego com impacto no aumento muito forte do desemprego e também claramente com impacto na economia, com o aumento da pobreza, com dificuldades acrescidas à população. Também em Cabo Verde, tínhamos os efeitos da seca e agora entra a somar os efeitos da guerra na Ucrânia. De facto, isso tem provocado uma alta exagerada dos preços, um aumento galopante do custo de vida e claramente temos o outro reverso que é a degradação do poder de compra das pessoas e a degradação das condições de vida das pessoas, com a diminuição dos seus rendimentos, a desvalorização dos seus salários sem outras medidas de compensação. Portanto, claramente a situação é muito grave e tem um impacto forte na vida das pessoas e das famílias. Nesse aspecto, há franjas sociais que exigem medidas activas de solidariedade e de protecção para não termos pessoas a passar dificuldades extremas. Nesse aspecto, acho também que há que haver da parte do governo medidas de inclusão, de protecção e medidas extraordinárias para melhorar o cabaz das famílias para além de outros apoios sociais.

RFI: De acordo com dados oficiais, o regime de 'lay-off' custou mais de 12 milhões de Euros no ano passado durante a covid-19, o governo excluiu para já o aumento do salário mínimo devido à crise económica vivenciada pelo país. Que soluções a seu ver poderia haver para mitigar os efeitos da crise neste momento?

Rui Semedo: Em primeiro lugar, desde o início sempre dissemos que o nosso sistema de protecção social -que tinha recursos disponíveis- deveria contribuir para melhorar a situação das pessoas, das empresas nomeadamente. Entretanto, tínhamos uma diferença de posicionamento com o governo. Nós achamos que o governo deveria ir buscar dinheiro ao sistema de protecção social mas deveria assumir o compromisso de titularizar as dívidas para serem pagas e nunca deveriam tomados aqueles recursos sem um retorno posterior. Este é um posicionamento do PAICV desde o início do processo. Se há recursos disponíveis, deveriam ser tomados, mas o Estado deveria assumir o compromisso de repor aqueles recursos para não perigar a sustentabilidade do sistema nacional de protecção social. Num segundo aspecto, defendemos que, ainda nesse contexto em que estamos, algumas empresas deverão continuar a beneficiar do 'lay off' simplificado para garantir a sobrevivência das empresas e para garantir a actividade económica de alguma forma. Um terceiro aspecto tem a ver com a degradação do poder de compra e a desvalorização do salário mínimo. Nesse aspecto, o governo poderia reapreciar e reavaliar as possibilidades que tem de mexer no tecto do salário mínimo e ver se melhoraria também as condições de vida das pessoas. Nós também defendemos que o governo deveria agir no que diz respeito à tributação. Aí o governo teria mais margem para ter um desagravamento fiscal em alguns produtos nomeadamente os produtos petrolíferos para diminuir o impacto do aumento de preços em toda a economia. Nesse aspecto, acho também que o governo poderia aumentar os mínimos de existência para, quando não aumenta o vencimento, poderia aumentar o poder de compra através do aumento mínimo de existência, para além de apoios directos às famílias, principalmente as famílias mais vulneráveis. Para além disso, o governo deveria fomentar algumas acções junto das empresas para promover o emprego para além de um emprego directo que é gerado.

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