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França Presidenciais: "Foi o presidente que ganhou o debate"

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A quatro dias das eleições presidenciais, Emmanuel Macron e Marine Le Pen protagonizaram um frente-a-frente considerado decisivo para esta corrida aos Eliseu. Durante quase três horas, o presidente-candidato da República em Marcha e a candidata da União Nacional falaram sobre poder de compra, Ucrânia-Rússia, União Europeia, reforma das pensões, constituição, laicidade ou ecologia.

A quatro dias das eleições presidenciais, Emmanuel Macron e Marine Le Pen protagonizaram um frente-a-frente.
A quatro dias das eleições presidenciais, Emmanuel Macron e Marine Le Pen protagonizaram um frente-a-frente. AFP - ERIC FEFERBERG
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À esquerda do ecrã, Emmanuel Macron muitas vezes de olhar fixo na adversária, cotovelos na mesa e queixo apoiado nas mãos, como se fosse um professor a avaliar a sua aluna, dando ares de arrogância, como o acusam alguns analistas... à direita Marine Le Pen, mais controlada que em 2017, por vezes hesitante nas respostas essencialmente no início do debate que nervosamente começou antes do tempo.

Para analisar o frente a frente presidencial, tenho comigo em linha Dejanirah Couto, investigadora da Escola Prática dos Altos Estudos de Paris a quem pergunto qual dos candidatos venceu o debate?

"Parece-me que é claro que foi o presidente [Emmanuel Macron] que ganhou o debate. É evidente que foi ele quem dominou o debate porque foi extremamente preciso do ponto de vista dos pormenores técnicos. Mostrou perfeitamente que dominava a matéria e os dossiers de uma maneira muito muito exacta. A sua adversária [Marine Le Pen] embrulhou-se completamente em diversas ocasiões, confundindo inclusivamente artigos da Constituição. Portanto, de uma maneira geral penso que ele dominou claramente o debate, apesar de ela ter adoptado uma postura muito diferente da de há cinco anos".

Estava ontem Marine Le Pen mais bem preparada aqui há cinco anos. Ela que ontem estava muito mais na defensiva, muito menos no ataque. Será que também aqui este controlo era para conseguir moderar a linguagem?

"Sem dúvida. Eu penso que ela foi enquadrada num trabalho de coaching formidável, muito melhor preparada do anteriormente. Mas isso teve também um efeito contraprodutivo, porque a obrigou a adoptar um perfil baixo, ou seja, uma postura algo retraída que efectivamente para o espectador comum poderia parecer como um certo controlo; uma certa calma no debate, mas o problema é que esta postura a levou a entrar numa série generalizações e de repetições.

Ela entrou em contradição com diversos aspectos do seu próprio programa e colocou-se numa posição de vítima e de representante dos franceses".

Marine Le Pen várias vezes disse que era representante dos franceses, tanto a nível do poder de compra, como a nível de segurança, por exemplo. Ela disse que era a porta-voz dos franceses.

"A porta-voz dos franceses pobres. Ela estava a referir-se indirectamente àquela franja da população que nós conhecemos como os coletes amarelos. Uma classe que não é completamente pobre, mas que se encontra nas camadas baixas da população, pelo seu poder de compra. 

O problema é que quando se tratou de dar proposições concretas para a defesa desses franceses de que ela falou, ela foi incapaz de ser concreta".

A questão do poder, era uma das bandeiras de campanha de Marine Le Pen e foi isso que, de alguma forma, a conseguiu trazer até esta segunda volta das presidenciais. 

Todas as camadas da população são sensíveis a esta questão. Nos dois tipos de proposição aquilo que me pareceu objectivamente muito claro é que a proposição de Marine Le Pen, de uma diminuição geral dos [impostos] é irrealista e, no contexto actual, totalmente impossível de realizar. Aquilo que o presidente propôs, que é proceder por categorias, por nichos, por diversos grupos levando em conta determinadas categorias sociais, sobretudo nas camadas mais carenciadas da população no contexto actual, parece-me mais viável. 

Eu diria que dentro das duas proposições a do presidente, que também tem os seus inconvenientes, tem a capacidade de poder ser realizada de uma maneira pontual. Realmente, o projecto de uma baixa total [da imposição]  tal como a candidata Marine Le Pen avançou, no momento económico actual é completamente impossível".

Apesar de mais moderados, os dois candidatos interromperam-se e afrontaram-se sobre diversas temáticas. Uma delas, era inevitável, foi a invasão russa da Ucrânia. Macron utilizou esse momento para apontar o dedo a Marine Le Pen por depender do poder russo, por causa do empréstimo que o partido dela tem junto de um banco russo. Marine Le Pen defendeu-se ao dizer que representa “um partido pobre e que não é uma vergonha”. Estava ela mais preparada para este ataque do que aquilo que se poderia esperar?

Não, a resposta dela não esteve verdadeiramente à altura daquilo que Macron pediu. E foi finalmente Macron que apontou com o dedo, de que a preferência pelo banco russo escondia qualquer outro aspecto, uma certa afinidade. 

Creio que ela não conseguiu, pela sua resposta, responder exactamente ao mesmo nível da interpelação do presidente"

A questão do clima, da ecologia, que é uma questão que é cara aos eleitores de Jean-Luc Mélenchon, que foi o terceiro mais votado na primeira volta das presidenciais e cujos votos são essenciais para definir o vencedor desta segunda volta. A ideia que fica é que nem Macron, nem Le Pen souberam capitalizar o tema. Apenas os chavões de Macron a acusar a adversária de “céptica do clima” e ela a acusar o presidente-candidato de “hipócrita do clima''. Mesmo as próprias organizações ambientais dizem que foi muito pouco.

"O problema é que sobre a questão climática, penso que tanto Marine Le Pen, como o presidente Macron ainda estão numa espécie de névoa sobre as estratégias e as tácticas a adoptar em termos climático.

A questão ainda está muito reduzida a uma retórica climática, como eu costumo chamar-lhe. Quero dizer uma retórica da necessidade de fazer, de iniciar, mas os passos concretos ainda estão em grande desfasamento em relação a essa retórica sobre o problema climático".

Emmanuel Macron defendeu o balanço do seu mandato, em termos de segurança, com a criação de postos de trabalho para polícias e para guardas, mais meios judiciais, mais magistrados, a diminuição da delinquência e uma luta eficaz contra o terrorismo. De um lado completamente oposto, Marine Le Pen diz que a situação do país é “má”. Falou em “barbárie” e em "selvajaria''. Fala do problema da imigração “anárquica e massiva” que contribui para o aumento e para o agravamento da insegurança da França.

Eu penso que nenhum dos candidatos teve meios para pôr o dedo na ferida. O problema da insegurança em França foi extremamente ultra-explorado e inflacionado. O que sucede em um certo número de metrópoles, não é exactamente o que se passa numa grande parte da França.

Há aqui o inflacionar da temática da violência que existe sem dúvida nenhuma, mas que também tem sido um dos “grandes cavalos de batalha” da extrema-direita e mesmo de alguma direita clássica.

Como proceder? É apenas uma questão de repressão e, nesse caso, aquilo que o presidente propõe, ou seja, o aumento das forças policiais, quadrilhar as áreas mais sensíveis em que há problemas, por exemplo, de narcotráfico, etc. É essa a solução? Ou então como propõe Marine Le Pen, um referente geral em que não se vê bem o que é que esse referente poderia trazer de melhoria a esta situação.

É uma questão sociológica, não apenas uma questão de uma invasão migratória ou da não adaptação de novos migrantes de outras culturas a um contexto europeu e francês, neste caso preciso.

Haveria aqui a fazer um trabalho de fundo sobre todas as questões sociológicas, político-sociológicas  e económico-sociológicas que levam a este tipo de situação de insegurança, nomeadamente urbana.

Penso que no debate de ontem, nenhum dos candidatos podia concretamente avançar para esse tipo de reflexão".

A laicidade também foi uma das questões que opôs e que arrancou algum tipo de acusações entre os dois candidatos presidenciais. Marine Le Pen diz que quer lutar contra a “ideologia islâmica”. Emmanuel Macron criticou aquilo que a adversária disse e acabou por conseguir capitalizar esta questão.

"No programa [da União Nacional] reina uma enorme confusão entre a questão do islão como religião e como prática religiosa e a questão da ideologia islamista. 

Eu creio que ela não desejava entrar no debate a propósito da laicidade porque a questão do véu polarizou eleitores e camadas da população, porque é associado com a questão do estatuto das mulheres nas sociedades muçulmanas e nas sociedades europeias. 

O que eu quero aqui dizer é que há uma amálgama entre ideologia, prática religiosa e religião propriamente dita. Estou convencida que ela própria, ideologicamente falando, não está preparada para compreender essas distinções entre a prática religiosa e em seguida a criação de uma ideologia particular com nessas práticas religiosas e a adulteração da prática religiosa".

Peço-lhe apenas um olhar sobre a postura de neste debate de Emmanuel Macron, muitas vezes de olhos fixos na adversária, agressivo com alguns laivos de arrogância. Esta postura não pode jogar contra o presidente?

"Concretamente não creio que seja uma postura de arrogância. Houve ali no debate de ontem um certo número de circunstâncias, entre as quais o facto de terem sido dados números e aspectos aparentemente factuais, mas que eram muito alternativos. Isso fez com que essa postura possa parecer arrogância.

Por outras palavras, penso que ele perdeu, de vez em quando, um pouco a paciência, aliás via-se no olhar dele em diversos momentos uma certa incredulidade".

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