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São Tomé Príncipe: O país "leve-leve" vai mal

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O aumento do custo de vida, a pobreza, a falta de oportunidades profissionais e a corrupção são alguns dos temas que preocupam os são-tomenses. A poucos dias das eleições legislativas, regional e autárquicas em São Tomé e Principe, a RFI foi ouvir as queixas e as expectativas dos que vão votar no domingo, 25 de Setembro.

São Tomé, 21 de Setembro de 2022.
São Tomé, 21 de Setembro de 2022. © RFI/Carina Branco
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Reportagem Retrato de São Tomé e Príncipe

“Tudo está caro. São Tomé está caro, caro, caro. Não tem nada normal. Tudo está péssimo. O pobre não consegue viver assim”, conta Fátima da Conceição, que trabalha há 17 anos no mercado do centro de São Tomé. Por entre a azáfama de clientes, a “palaiê” constata que os clientes, e ela própria, não conseguem acompanhar o aumento dos preços dos produtos básicos de alimentação.

Fátima da Conceição. São Tomé e Principe, 20 de Setembro de 2022.
Fátima da Conceição. São Tomé e Principe, 20 de Setembro de 2022. © RFI/Carina Branco

Fomos também ao Mercado de Peixe de Bôbo-Fôrro, a três quilómetros da cidade, e as queixas são as mesmas. Clementina António tem seis filhos e diz que os pobres estão cada vez mais pobres, mas que as crianças não podem passar fome. O desenrasque é, talvez, o bem mais precioso nos tempos que correm. Perante o aumento dos preços, ela faz contas para provar que a vida está difícil, mas avisa que “morrer de fome não se pode”.

 

Mercado de Bobô-Forro, São Tomé. 20 de Setembro de 2022.
Mercado de Bobô-Forro, São Tomé. 20 de Setembro de 2022. © RFI/Carina Branco

A constatação repete-se de boca em boca. Em ambos os mercados, feirantes e clientes dizem que está tudo mais caro em São Tomé e Príncipe.

A poucos dias das eleições legislativas, regional e autárquicas em São Tomé e Príncipe, o aumento do custo de vida é um dos temas incontornáveis para os eleitores. Depois da crise provocada pela pandemia de covid-19, agora o país sofre o impacto da guerra na Ucrânia e da inflação global dos preços.

Fomos à Universidade de São Tomé e Príncipe (USTP) tentar perceber o que agravou a situação dos são-tomenses. O economista Arlindo Tavares Pereira avisa que agora essa situação “está muito mais difícil” porque o país é dependente do exterior em termos alimentares e a inflação afecta, sobretudo, o bolso dos mais pobres. O economista indica que “em Julho do ano passado, a inflação acumulada era de 2.7 % e, este ano, é de 11,2%, no mesmo período”.

O professor na USTP acrescenta que “cerca de 70% a 80% da população vive com menos de três dólares por dia”, ou seja, “a vida das populações, de forma geral, está muito mais difícil agora do que antes”.

Arlindo Tavares Pereira, Economista. Universidade de São Tomé e Príncipe, 21 de Setembro de 2022.
Arlindo Tavares Pereira, Economista. Universidade de São Tomé e Príncipe, 21 de Setembro de 2022. © RFI/Carina Branco

Muitas famílias ainda vão contando com as remessas dos emigrantes, mas a emigração também comporta riscos para o desenvolvimento de São Tomé.

“Estamos a perder os nossos recursos humanos e nós precisamos de recursos humanos para desenvolver nossa economia. Inclusive, jovens com algum talento estão a sair do país e, a curto e médio prazo, teremos dificuldade em desenvolver a nossa economia porque não teremos mão-de-obra. Por outro lado, eu acredito que a saída desses jovens poderá ser uma mais-valia para a nossa economia, ou seja, eles poderão enviar remessas para a nossa economia e tentar ajudar as famílias e a nossa economia”, reconhece o economista são-tomense.

Os jovens fogem, realmente, do país, conta Romilson Silveira, presidente da Rede Pan-africana de Jovens para a Cultura de Paz em África. A culpa é da falta de oportunidades e de perspectivas. Há, ainda, a seu ver, o esquecimento por parte do próprio Estado, exemplificando com cerca de oito mil jovens que não vão poder votar nas eleições de domingo.

Estamos a falar de um número bastante significativo de jovens que deveriam exercer o seu direito de voto que está consagrado na Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe. Oito mil jovens é um número bastante significante. Ainda que fosse apenas um jovem, é um direito constitucional consagrado. Então, esses jovens deveriam, sim, exercer o seu direito de voto como tem sido a tradição", afirma.

 

Romilson Silveira, Presidente da Rede Pan-africana de Jovens para a Cultura de Paz em África
Romilson Silveira, Presidente da Rede Pan-africana de Jovens para a Cultura de Paz em África © RFI/Carina Branco

 

O advogado de 32 anos sublinha, também, que São Tomé e Príncipe “é um país maioritariamente jovem”, ou seja, “65% da população”, e que a juventude começa a olhar com uma certa decepção para a vida política. O resultado é o seguinte: “Toda a juventude são-tomense, ou senão a grande parte, quer sair do país porque não encontra aquela alternativa para ter uma vida condigna.”

A emigração nunca foi tão significativa como agora, alerta Fernanda Pontífice, antiga ministra da Educação e antiga reitora da Universidade Lusíada de São Tomé, que continua a bater-se pelo ensino no país.

Fernanda Pontífice. São Tomé. 21 de Setembro de 2022.
Fernanda Pontífice. São Tomé. 21 de Setembro de 2022. © RFI/Carina Branco

“Aliado à questão de falta de oportunidades e de emprego, há a questão também de busca de melhores condições de vida porque os salários são muito, muito baixos. É um investimento que se tem feito no país. Como se diz aqui em São Tomé, é apanhar água com o cesto. Quer dizer, por mais que se faça, não se vê o resultado. O cesto é entrançado, então a água esvai-se toda. É nesta situação em que hoje nós nos encontramos, com muita pena, porque a tendência para a emigração em São Tomé e Príncipe nunca foi tão grande como agora”, explica Fernanda Pontífice.

Apanhar água com o cesto” é ainda mais complicado num país onde a luta contra a corrupção é um tema que se repete em todas as eleições. O problema é que “a corrupção é uma doença social”, alerta Arlindo Tavares Pereira, que defende a urgência de uma reforma na função pública.

“Nós realmente temos muita dificuldade em combater a corrupção. Afecta muito o nosso dia-a-dia, afecta muito a nossa economia porque quando num país existe muita corrupção, não se atrai investimento estrangeiro. Eu acredito também que as pessoas não nasceram corruptas, se calhar, a situação do país e os problemas sociais e económicos estimulam as pessoas a terem essa atitude. É preciso termos a capacidade de mudar. Como é que se muda? Com medidas, com reformas”, defende o economista.

Todos falam do país do “leve-leve”, mas as preocupações são bem palpáveis. Domingo, 25 de Setembro, há eleições legislativas, regional e autárquicas em São Tomé e Príncipe.

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