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Corrupção em Portugal abre a porta à "desconfiança" e ao "populismo"

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A corrupção está no centro das eleições de 10 de Março em Portugal, em parte por ter causado a queda do Governo de maioria absoluta de António Costa, e, por outro lado, ser utilizado como "arma de arremesso" pelos partidos populistas que se candidatam.

O primeiro-ministro português, António Costa, demitiu-se na sequência de um escândalo de corrupção que envolveu vários amigos, ministros e o seu chefe de gabinete.
O primeiro-ministro português, António Costa, demitiu-se na sequência de um escândalo de corrupção que envolveu vários amigos, ministros e o seu chefe de gabinete. AP - Armando Franca
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Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida.

Em 2023, Portugal foi considerado como o 34º país no Mundo com menos corrupção, de acordo com o Índice de Percepção da Corrupção levado a cabo pela organização Transparência Internacional que avalia 180 países. No entanto, e devido a escândalos nos anos recentes que mostram a propagação da corrupção um pouco por toda cadeia da administração e chegando aos cargos mais destacados da república, este é um tema cada vez mais preponderante na altura de votar.

Sondagens recentes sobre as prioridades dos portugueses nas eleições de 10 de Março, mostram mesmo que a corrupção está entre os principais problemas que os lusos querem ver resolvidos, como disse Jorge Máximo, que integra a direcção da organização Transparência Internacional Portugal.

"Eu estava a ouvir que uma sondagem apontava que a justiça e a corrupção eram os quarto e quinto temas que mais preocupavam os portugueses. Logo a seguir a habitação e a saúde e educação, que são os crónicos primeiros. Portanto, isto é revelador. Uma democracia que está a chegar a 50 anos após o 25 de Abril e que devia estar muito mais consolidada e muito mais robusta do que a que as pessoas avaliam nos últimos anos. Portugal tem enfrentado alguns casos muito expostos publicamente de corrupção ou suspeição de corrupção, e isso tem criado uma certa degradação do sentimento de confiança das pessoas perante as instituições políticas", disse Jorge Máximo.

Estas eleições foram marcadas pelo Presidente da Republica após a demissão do primeiro-ministro, António Costa, devido ao seu alegado envolvimento num caso de corrupção que incluía amigos próximos, ministros e mesmo o seu chefe de gabinete. A operação Influecer, como foi apelidada pela polícia, relembra, segundo Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a inércia dos partidos políticos para travar práticas de corrupção.

"Acho que é um exemplo perfeito do que tem sido a atitude dos partidos em relação à integridade na política. Aliás, não foi só este episódio. É um acumular de episódios. É também exemplo de como é que uma maioria absoluta se perde com questões desta natureza. Quer dizer, os governos são eleitos para governar, não são eleitos para gerir escândalos. Os escândalos evitam-se e para se evitar é preciso ter uma política de prevenção que os partidos, infelizmente, não têm investido", disse o académico.

Com a não constituição como arguido do agora primeiro-ministro interino, António Costa, sobre quem chegaram a pairar suspeitas num comunicado da Procuradoria-Geral da República, e outros casos de corrupção que se arrastam há vários anos na justiça, como o caso do antigo ex-primeiro-ministro José Sócrates, a morosidade dos tribunais tem levado à descredibilização da justiça em Portugal. Uma descredibilização que se está a tornar em desconfiança por parte dos portugueses.

"Naturalmente, as pessoas questionam como é que é possível o chefe de gabinete do primeiro ministro tenha 78.000 € guardados. Isto é algo que, mesmo admitindo a presunção de inocência, tem de ser explicado e as pessoas começam a rir-se perante certos fenómenos. E, portanto, o que nós pretendemos é acompanhar a situação de forma a deixar os mecanismos judiciais funcionarem. Mas nós precisamos também de perceber se estão a funcionar de forma equilibrada, independente, sem pressões políticas. Porque também temos visto casos de manifesta estranheza entre decisões judiciais que também essas condicionam a perceção de que algo está estranho. Portugal parece que atravessa um período complicado a nível de confiança e de interrogação das pessoas perante o sistema funcionamento da sua justiça", disse Jorge Máximo.

Tendo como ponto de partida que não há uma vacina contra a corrupção e que ela existe em todas as democracias do Mundo, resta às autoridades legislarem da melhor forma, ouvindo todos os agentes que trabalham no combate a este tipo de práticas, mas também o reforço ético e de condenação dentro dos próprios partidos políticos.

Este é um trabalho que tem de ser feito em parceria com as organizações da sociedade civil, sob pena de casos com o da operação Influencer continuarem a alimentar discursos populistas sobre a corrupção.

"Nós temos tido um papel já há bastantes anos de advocacia de medidas e de iniciativas políticas que devem ser levadas a cabo para melhorar a governação e não só o combate à corrupção, porque o combate à corrupção pode ser feito de forma indirecta, porque melhor governo, melhor integridade, mais transparência na governação pública, naturalmente condiciona e é um foco de prevenção da corrupção. E o que aconteceu especificamente nestes casos mais recentes é que algumas medidas que até têm sido tomadas, mas os organismos que competiam fiscalizar e cumprir não estão a funcionar. A grande dificuldade, por exemplo, nestes processos mais complexos de crimes económicos financeiros, que se prolongam no tempo, que prescrevem e as pessoas não vêem resultados e isso é muito mau para o sentimento de confiança na democracia. E, de facto, põe aqui alguma facilidade, algum discurso mais populista em ganhar terreno no nosso, no nosso sistema político", avisou Jorge Máximo.

A retórica do combate à corrupção, cada vez mais utilizada nos debates e campanha eleitoral que estão a antecipar o voto de 10 de Março são, no entanto, e de acordo com Luís de Sousa, ocas e têm pés de barro.

"O combate à corrupção transformou-se também em arma de arremesso. Sem dúvida, há uma nova formação partidária. Não quer dizer que tenha sido o único. Já no passado houve, enfim, acusações feitas por outros partidos que já tinham representação parlamentar. Mas já há sobretudo um novo player, partido radical de direita, que tem um partido populista, que tem utilizado o tema da corrupção como arma de arremesso. No fundo, o tema da corrupção é, digamos, uma forma diferente de exporem a sua preferência anti-sistema, anti-parlamentarismo, anti-partidos convencionais, anti-elites, pois na realidade são isso tudo, estão no Parlamento, têm elites, são um partido, são, desse ponto de vista, igual aos outros. Propõem-se a eleições, querem poder e querem exercê-lo e querem avidamente o poder. Só que, de facto, depois levantam este palco moral. Como se costuma dizer, o santo tem pés ocos", concluiu Luís de Sousa.

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