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Reforma da política migratória da UE a caminho de uma adopção definitiva?

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Uma curta maioria de eurodeputados votou nesta quarta-feira a favor de uma reforma da política europeia em matéria de imigração. A adopção desta reforma que acontece a cerca de dois meses das eleições europeias, deve ainda ser confirmada em reunião do Conselho Europeu no final deste mês, antes de se observar um período de 2 anos para a transposição nos respectivos enquadramentos legais dos 27, para a sua entrada em vigor em 2026.

Nesta quarta-feira 10 de Abril de 2024, o Parlamento Europeu validou uma proposta de reforma da política migratória da União Europeia.
Nesta quarta-feira 10 de Abril de 2024, o Parlamento Europeu validou uma proposta de reforma da política migratória da União Europeia. © AP - Geert Vanden Wijngaert
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Este novo pacto que foi obtido ao cabo de anos de negociações institui o princípio de uma solidariedade obrigatória entre estados-membros em matéria de gestão de fluxos migratórios. Face à chegada mais importante de candidatos à imigração, os 27 deverão acolher os migrantes que não possam ficar nos países onde chegaram primeiro. No caso de um país recusar acolher migrantes, é-lhe aplicada uma multa de 20 mil euros por migrantes recusados.

Contudo, esta nova política introduz também mais restrições às chegadas de migrantes e processos de expulsão mais rápidos, nomeadamente com base na partilha de informações como dados biométricos. Quem já tiver sido expulso uma vez, tornará a sê-lo novamente ao abrigo deste novo dispositivo.

Este texto está longe de reunir consensos. Para além da Polónia e da Hungria expressarem descontentamento, por motivos semelhantes às franjas mais conservadoras do parlamento, também partidos de esquerda e ONGs de defesa dos Direitos Humanos denunciam uma política que qualificam de desumana.

Pedro Marques, eurodeputado socialista português, votou a favor deste projecto. Ele responde às críticas feitas a este texto destacando a necessidade de "mostrar aos europeus que a União Europeia é capaz de gerir as suas fronteiras".

"Nós estabelecemos no Pacto para as Migrações, mecanismos independentes de controlo da forma como as pessoas serão tratadas nas nossas fronteiras quando procuram chegar à Europa. Nós queremos gerir as fronteiras, gerir com humanidade as nossas fronteiras. Ninguém defenderá mais do que nós os Direitos Humanos. Mas não aprovar o Pacto para as Migrações era continuar a ter os europeus a acreditar que nós não éramos capazes de gerir as nossas fronteiras. A partir de agora, haverá solidariedade com os países que estão na linha da frente, que recebem mais migrantes quando eles fogem das guerras, quando eles atravessam o Mediterrâneo e estão em risco de morrer. Haverá mais solidariedade europeia. Ninguém se poderá colocar de fora, mas haverá uma gestão efectiva das fronteiras, com humanidade, com humanismo", considera o eurodeputado socialista para quem a adopção deste mecanismo "foi uma grande derrota da extrema-direita que queria menos Europa".

Pedro Góis, especialista de questões migratórias e professor de economia no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra reconhece que houve avanços com a adopção deste projecto, contudo ele não deixa de apontar algumas falhas em termos de respeito dos Direitos Humanos.

"Há várias abordagens possíveis. A abordagem sobre algum retrocesso nos Direitos Humanos dos migrantes parece-me óbvia, uma vez que há um acordo de recolha de dados biométricos na fronteira num período de sete dias, o que significa que provavelmente as pessoas ficarão retidas na fronteira durante esse período. Isso é obviamente, um retrocesso a um avanço relativo, que é de pensarmos que a União Europeia, os países, os Estados-Membros finalmente se entenderam quanto ao que devem fazer em termos de responsabilidade para com os pedidos de asilo que acolhem, seja recolhendo-os no seu território, seja contribuindo para um fundo comum que permita que outros territórios os acolham. Isso parece-me talvez o avanço mais interessante" considera o universitário.

Questionado sobre a possibilidade, contemplada nesse dispositivo, de a União Europeia tornar a estabelecer parcerias com países terceiros, nomeadamente a Mauritânia, a Tunísia e o Egipto, para "filtrar" as chegadas de migrantes, apesar de ONGs denunciarem o tratamento reservado aos migrantes nesses países, Pedro Góis refere que existem efectivamente falhas nesse aspecto.

"Mesmo no interior da União Europeia, eu estranhei que a agência Fundamental Rights Agency - FRA não fosse chamada a fiscalizar o cumprimento dos Direitos Humanos dentro de cada Estado-Membro. E ela também não é colocada como uma organização de fiscalização do cumprimento dos Direitos Humanos nesses países (Mauritânia, Tunísia e Egipto). E isso parece-me que é algo que temos que consolidar. Uma agência de Direitos Humanos europeia que possa funcionar fora das fronteiras da União para obrigar a cumprir as regras da própria União quanto aos Direitos Humanos", admite o estudioso referindo contudo que "não é algo de novo" e que "estes novos acordos que fazemos com estes países, fizemos no passado, com a Turquia, com a Líbia, Portanto, não é nada de novo, é apenas a continuação da mesma regra de negociar com alguém que nos sirva de porteiro do outro lado do Mediterrâneo".

Referindo-se às dificuldades que poderiam surgir na transposição desta nova política na legislação de cada país dos 27, designadamente em Portugal cuja legislação facilita a entrada no seu território de cidadãos da CPLP, Pedro Góis considera que não existe conflito entre estes dois textos.

Na sua óptica, os vistos CPLP "são um avanço na forma de funcionamento dos vistos Schengen e retomam a uma ideia de vistos que são apenas úteis em territórios nacionais de alguns Estados-Membros. Neste caso, os vistos CPLP só são válidos em Portugal, territorialmente em Portugal, sendo que se um portador de um visto CPLP se deslocar para um país terceiro, então ele incorre no mesmo incumprimento do que se não tivesse qualquer tipo de visto. Portanto, bem explicados, os vistos CPLP são um avanço em relação ao passado e não um recuo. Quanto ao cumprimento das regras deste pacto. Olhando ainda de uma forma leve para tudo o que foi produzido, no caso de Portugal, até se encontra em cumprimento de quase todos estas potenciais novas necessidades".

Não obstante, o estudioso sublinha que ainda existem obstáculos por parte dos países que já se pronunciaram contra esta política. "Na prática, sabendo os actores que já referiu a Hungria, a Polónia e a Eslováquia, que estão muito cépticos quanto a esta ideia de haver uma política europeia de migrações, o principal obstáculo será obter o seu voto dentro de negociações que vão ser muito difíceis e que o exemplo da Hungria nos tem ensinado é que o voto a favor é sempre trocado por um conjunto de recursos que a União Europeia tem que encaminhar para a Hungria", pelo que o universitário antevê um longo caminho até que seja eventualmente implementado esse novo pacto.

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