Caso Pierre Palmade: de acidente de carro para debate nacional
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Ouvir - 09:27
Em França debate-se há duas semanas uma série de questões éticas e jurídicas depois de um fait-divers que envolveu uma das principais vedetas do teatro nacional, o actor Pierre Palmade. Para além do acidente, o debate centra-se sobre o consumo e a repressão das drogas em França, a possibilidade de se vir a retirar a carta de conducção a quem conduza sob efeito de drogas ou ainda a questão do estatuto jurídico de um feto.
O actor Pierre Palmade protagonizou um grave acidente de viação na região de Paris, encontrava-se a conduzir sob o efeito da cocaína quando saíu da faixa e embateu de frente contra outro carro. O acidente provocou nomeadamente a morte de um feto de seis meses e meio. A grávida em causa ficou gravemente ferida assim como dois outros passageiros, que continuam hospitalizados.
Para além do acidente, o debate centra-se sobre o consumo e a repressão das drogas em França, a possibilidade de se vir a retirar a carta de conducção a quem conduza sob efeito de drogas ou ainda a questão do estatuto jurídico de um feto. A RFI falou sobre este caso com Jorge Mendes, advogado em Marselha, sul de França.
Não se sabe ao certo se o actor Pierre Palmade poderá ser julgado por homicídio. Do que vai depender essa potencial acusação?
"Uma peritagem vai ser feita para saber se o feto respirou durante alguns segundos. Por enquanto, o feto não tem personalidade jurídica e só um bébé que nasceu e respirou tem existência e direitos jurídicos. a transformação entre o feto e uma pessoa humana incide sobre o facto de ter respirado pelo menos durante segundos."
Logo a seguir ao acidente, as equipas de socorro realizaram uma cesariana para retirar o feto da barriga da mãe. Se se averiguar que o feto respirou, pode ser considerado o homicídio involuntário por parte do actor francês. Caso contrário, Pierre Palmade apenas será indiciado por lesões graves involuntárias?
"Exactamente, o homicídio involuntário só pode ser considerado no caso da vítima ser uma pessoa humana em vida."
Se houver homicídio involuntário, Pierre Palmade poderá ser condenado a uma pena de até 10 anos de prisão e 150.000 euros de multa.
"Em França, o crime de homicídio involuntário é punido com 5 anos de prisão efectiva. Mas neste caso há a circunstância agravante do uso de álcool e estupefacientes. Ele acumula duas circunstâncias agravantes e pode ir até 10 anos de prisão efectiva e 150.000 euros de multa."
Acha que o movimento anti-aborto, para quem o feto já é um ser vivo, poderá fazer pressão para que se reconheça o crime de homicídio involuntário?
"Penso que é uma ocasião para o movimento comunicar sobre essa tese de que o feto já é um ser humano. No caso do aborto, esse movimento considera que é homicídio voluntário, é essa ideia: se o feto é uma pessoa humana, o aborto é um crime, voluntário.
Mas é também ocasião para associações que lutam contra o uso de drogas tentem modificar a lei. Tem-se falado em França de retirar a palavra "involuntário" no caso de um acidente de viação em que a pessoa bebe ou usa drogas. Isto segue a ideia de que se uma pessoa guia um carro, tendo ingerido drogas, e comete um acidente, é então um homicídio voluntário porque a pessoa colocou-se na situação de provocar o acidente. É uma ideia, penso eu, complicada, e não sabemos até onde ela irá parar. É uma situação que permite reter teses um pouco radicais, sejam elas de associações anti-aborto ou de associações contra as drogas.
Pode haver aqui um movimento que vem, sob a emoção, pedir leis que poderão ter uma leitura grave."
Há portanto movimentos que chegam a considerar que Pierre Palmade deveria ser condenado por homicídio voluntário?
"Exactamente. A lei não o permite mas há associações hoje que estão a pedir a modificação da lei."
O ministro da administração interna, Gerald Darmanin, começou já a falar em homicídio "rodoviário" para reforçar a gravidade de um homicídio involuntário, retirando-lhe essa palavra, quando acontece sob efeito de drogas ou álcool. Que consequências poderá ter essa modificação ?
É preciso ter cuidado com estas propostas feitas depois da tragédia e ainda sob emoção. Com emoção não se reage a questões de direito. A lei atualmente condena o homicídio involuntário com 10 anos de prisão efectiva. Retirar a palavra "involuntário" para lhe sobrepor o termo de "homicídio rodoviário" poderá fazer com que os arguidos sejam julgados com uma severidade e durezas acentuadas."
Parece-lhe estar a funcionar a luta contra o consumo e o tráfego de drogas em França?
Não está nada a funcionar. O acidente de Pierre Palmade está a por em foco esta questão. Não se faz nada de eficiente para limitar o consumo de drogas.
Será preciso impor maior controlo sobre quem consome para limitar o uso das drogas?
"O problema talvez seja inverso. A França ainda tem uma política anti-drogas de severidade, com grande repressão, o que suscita tráficos importantes, uma economia paralela e um consomo incontrolado. A repressão em França hoje não está a dar uma resposta eficaz a esta situação.
O consumo de álcool provoca mais acidentes de viação do que o consumo de drogas. Este é outro problema, temos um consumo de álcool muito elevado e nunca se conseguiu limitar."
Gerald Darmanin propôs também retirar a carta de condução a quem conduz sob o efeito de drogas. Essa decisão poderia passar a ser tomada pela autoridade civil, portanto sem passar por um juiz como é actualmente o caso. Até que ponto é que isto seria aceitável e constitucional?
Esse é o problema das propostas feitas de forma emocional. Peredm-se as garantias judiciais que hoje existem e que devemos guardar. Uma condenação tem que ser feita perante um juiz que irá analisar se, de facto, merecemos essa condenação. Tirar 12 pontos, ou seja tirar a carta de condução a uma pessoa que conduzia, sem ter tido accidente, é exagerado ser realizado de forma administrativa. Estamos a recuar nos direitos dos condutores. Sejam eles consumidores de droga ou não, têm o direito de ir perante um juiz e de contestar as decisões, talvez até de provar que houve um erro.
Com essa proposta, um polícia teria automáticamente o direito de tirar a carta de condução. Esta proposta não seria nem constitucional. Acho que um tribunal francês não permitira este recuo na garantia dos direitos dos condutores. É um efeito de anúncio político. Temos 600 acidentes de carro por ano sob efeito de álcool e Gérald Darmanin nunca fez este tipo de propostas para resolver a situação.
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