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Atentados de Paris: Testemunhar é terapia para sobrevivente

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Sandrine é "uma sobrevivente" do atentado ao Bataclan a 13 de Novembro de 2015. Esta terça-feira, ela foi testemunhar no julgamento que decorre em Paris, numa tentativa de “fechar uma porta” e tentar ultrapassar o que viveu. Entre aquela noite e hoje o tempo "parou". Sandrine disse, em tribunal, que do Bataclan saiu “viva no meio dos mortos” mas, desde então, vive “morta no meio dos vivos”. Acompanhar o julgamento está, agora, a ajudá-la a sentir-se “menos sozinha” e a regressar à vida.

Julgamento dos atentados de 13 de Novembro de 2015. Palais de Justice de Paris, 8 de Setembro de 2021.
Julgamento dos atentados de 13 de Novembro de 2015. Palais de Justice de Paris, 8 de Setembro de 2021. AFP - ALAIN JOCARD
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Tem 42 anos desde 13 de Novembro de 2015, 48 no cartão de cidadão”. Foi assim que Sandrine, uma francesa com origens portuguesas, começou o seu testemunho no julgamento dos atentados. Apresentou-se como uma vítima directa do Bataclan, uma sobrevivente”. Entre aquela noite e hoje o tempo parou para ela. Desde então, "parou de se mexer" como "parou de se mexer" no Bataclan para não levar com as balas.

Entre 13 de Novembro de 2015 e o dia do seu testemunho em tribunal é como se mais não tivesse feito que esperar. Esperar até que as palavras ditas no julgamento possam "fechar uma porta" e uma nova vida possa também começar. Sandrine explica que do Bataclan saiu “viva no meio dos mortos” mas desde então vive morta no meio dos vivos”.

“Para mim, a música, os concertos eram a vida, nunca esperava que esta zona de concertos, que para mim sempre foi uma zona de vida, poderia ser uma zona de morte (…) A vida foi embora, o que eu era foi embora, já não existe. Saí dessa sala viva no meio dos mortos e desde então tenho a impressão de estar morta no meio dos vivos”, contou à RFI, antes de entrar no tribunal.

O julgamento é, no entanto, como uma terapia. Vestiu a mesma roupa e as mesmas botas que tinha para o concerto dos Eagles of Death Metal: a mesma t-shirt preta, as calças de ganga e uma das botas colada à frente para remendar o buraco que uma bala fez. Quanto aos remendos mais profundos, só se cosem com “milagres” e ela sabe que também é um “milagre” entre centenas de “milagres” que poderiam ter morrido nessa noite. É isso que a ajuda a colocar de lado o sentimento de culpa por ter sobrevivido. Esta terça-feira, depois da audiência, vai a um concerto de Nick Cave para celebrar a música, a vida e os “milagres”.

“Sentia-me mesmo sozinha durante os seis anos. Tinha mesmo a impressão de estar verdadeiramente sozinha e ouvir os testemunhos das outras vítimas deu-me a impressão de que não estou sozinha. Eles estão comigo, viveram a mesma coisa e estamos juntos e não tenho que me sentir culpada por estar viva, como muitos deles estavam a sentir-se.

Mesmo se 131 pessoas morreram nesse dia, o que eu fiquei a pensar é que foi um milagre, muitos milagres nessa noite. Porque poderia haver mais de 1300 mortos nessa noite e, para mim, houve mais milagres do que mortos. Mesmo que 131 vítimas seja muito, sinto-me menos sozinha porque não sou o único milagre dessa noite e não me sinto tão culpada hoje por causa disso."

Sandrine decidiu ir depor no julgamento “para tentar reconstruir alguma coisa” e não tanto por aguardar uma qualquer sentença. “Quando começou o processo, é como se tivesse passado do concerto até aqui. Como se o tempo tivesse parado (…) Testemunhar é mesmo por mim. Quero fechar uma porta que ficou muito tempo aberta na minha cabeça, que me fez muito mal, e testemunhar é poder começar outra coisa e esquecer o que se passou.”

“Para mim, já ganhei com este processo”, conclui, admitindo que o julgamento está a funcionar como uma terapia.

Apesar da esperança, Sandrine teme que novos atentados aconteçam e diz não ter "a impressão que o governo faça o necessário" para o evitar.

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