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História e geopolítica dos Jogos Olímpicos

JO Pequim 2008 : "Um mundo, um sonho?"

Os Jogos Olímpicos de Pequim 2008 foram marcados pelo slogan "Um mundo, um sonho", mas o sonho do governo chinês não era partilhado por todos. Num país onde as políticas de controlo e repressão são omnipresentes, um sonho colectivo era difícil.

Cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim a 24 de Agosto de 2008.
Cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim a 24 de Agosto de 2008. (Photo : AFP)
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Desde que o Comité Olímpico Internacional - COI - resolveu a disputa das "duas Chinas", Pequim tinha o sonho de acolher os Jogos Olímpicos. Após uma tentativa frustrada de acolher os Jogos de 2000, a China conseguiu organizar os Jogos pela primeira vez em 2008. O evento foi visto pelas autoridades chinesas como um reconhecimento pelo mundo internacional, um motivo de orgulho e alegria.

A 13 de Julho de 2001, quando Juan Antonio Samaranch anunciou, em Moscovo, a decisão do COI escolher a China como país-sede dos Jogos de 2008, dezenas de milhares de chineses foram para as ruas da capital para celebrar a vitória. Este foi talvez o maior encontro espontâneo, em Pequim, desde os protestos pró-democracia de 1989, protestos que terminaram reprimidos.

Pequim 2008: Manifestações sucedem-se

Durante os Jogos Olímpicos de Pequim, centenas de milhares de turistas e dezenas de milhares de jornalistas visitaram a China, um desafio sem precedentes para o partido comunista. No estrangeiro, as manifestações sucederam-se desde que o Comité Olímpico Internacional anunciou o sucesso da candidatura de Pequim. Várias vozes questionaram a China sobre a questão dos direitos humanos, liberdade de imprensa, e a qualidade do ar, etc.

Em resposta a estas preocupações, o governo chinês afirmou, na altura, que os Jogos Olímpicos fortaleceriam a interacção da China com a comunidade internacional, através da promoção dos direitos humanos e da liberdade de imprensa no país. No entanto, antes da abertura dos Jogos, algumas organizações argumentavam que, não apenas, a China não cumpria essa promessa, mas reprimia cada vez mais as vozes "indesejáveis".

A questão do Tibete

Em Março de 2008, a repressão policial durante uma manifestação em Lhasa, no Tibete, fez vários mortos, governo chinês falou em apenas 22 vítimas mortais.

No dia da abertura dos Jogos Olímpicos, a 8 de Agosto, o movimento da "Chama da Liberdade do Tibete" terminou em Leh, no Ladakh, na Índia. O transporte da chama da liberdade começou na Grécia, em Março do mesmo ano, passando por 50 cidades na Europa, Estados Unidos, Canadá, México, Nova Zelândia, Taiwan e Uruguai. O objectivo deste movimento foi chamar a atenção para o "controle rigoroso do governo chinês sobre o Tibete".

Tenzin Choeying, líder estudantil do movimento da "Chama da Liberdade para o Tibete" afirmou que a maioria dos tibetanos desejavam a independência:

"Este ano, a Chama Tibetana da Liberdade tem um significado especial porque o governo chinês está a acolher os Jogos Olímpicos de Pequim. Queremos transmitir directamente o desejo do povo tibetano ao mundo, para que a liberdade do Tibete continue. O Governo chinês engana-se quando vê o movimento tibetano como um único movimento de um único povo. A maioria dos tibetanos que vivem no Tibete quer liberdade total, quer a independência", declarou.

As passagens históricas da chama olímpica

O transporte da chama olímpica criou várias "passagens históricas": foi a primeira vez que a chama passou pela Coreia do Norte, chegou ao topo do Everest, parou por três dias (para homenagear as 80 mil vítimas do violento terremoto em Sichuan em Maio), encontrou manifestações, incluindo em Paris, a 7 de Abril. Vários activistas tibetanos, defensores dos direitos humanos perturbaram o percurso parisiense, levando à intervenção das forças de ordem que acabaram por saltar etapas e transportaram a tocha de autocarro, até Charléty.

A esgrimista chinesa, JIN Jing, que transportava a tocha olímpica, em cadeira de rodas, conseguiu protegê-la dos manifestantes que tentavam arrancá-la, acabando por ser elogiada por Pequim. A atleta foi homenageada por ter protegido a tocha dos "separatistas".

Na véspera da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, mais de 200 manifestantes foram para as ruas de Tóquio protestar o facto da China -enquanto país-sede dos Jogos, "não respeitar os direitos humanos e reprimir as minorias étnicas". Alguns manifestantes declararam que as autoridades chinesas “não reconheciam a repressão feita às minorias étnicas, dando o exemplo dos uigures, tibetanos e mongóis".

Enquanto isso, nas Filipinas, um grupo de ciclistas manifestou-se em Manila, pedindo à China “para melhorar as políticas de direitos humanos no país". O protesto ficou conhecido por "Ride for Human Rights 2008", com o slogan impresso nas t-shirts.

A Amnistia Internacional juntou-se aos manifestantes, sublinhando a urgência da “China respeitar a Carta Olímpica que defende os direitos humanos...Lembrando que a cinco dias da abertura dos Jogos Olímpicos, os compromissos precisariam de ser cumpridos". Um mês antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, a Amnistia Internacional divulgou um relatório onde afirmava que a China não tinha conseguido melhorar a situação dos direitos humanos.

"Só em 2007, milhares de protestantes foram presos", para "O país tenta mostrar ao mundo uma imagem de harmonia e manter a estabilidade interna".

O governo chinês disse que foram criadas várias zonas de manifestação em Pequim, durante os Jogos Olímpicos. Porém, muitos habitantes que protestavam contra a demolição forçada dos hutongs (habitações tradicionais de Pequim), para "embelezar a capital antes dos Jogos", viram os pedidos de manifestação serem rejeitados.

As autoridades chinesas explicaram que embora a constituição chinesa garanta a liberdade de expressão, "medidas especiais são necessárias em momentos especiais". De acordo com a Associated Press, entre 1989  e 24 de Julho de 2008, Pequim tinha emitido apenas duas permissões para a realização de manifestações.

Imprensa e as promessas por cumprir

Quando a China apresentou a candidatura para acolher os Jogos de 2008 falava de total liberdade para a imprensa. No entanto, quando o momento chegou, o presidente do comité dos órgãos de comunicação do COI constatou que o Governo chinês tinha bloqueado alguns sites. Eram sites que forneciam informações sobre o Tibete ou o Falun Gong (um movimento espiritual, acusado por Pequim de ser uma seita).

Questionado sobre a promessa feita pela China, sete anos antes, de que os órgãos de comunicação teriam liberdade para trabalhar e a restrições impostas, o comité organizador dos Jogos de Pequim e o Comité Olímpico Internacional declararam que os sites bloqueados não estavam relacionados aos Jogos, nem a liberdade dos média não estava comprometida. O COI reiterou que nenhum compromisso privado foi feito com o governo chinês, como foi especulado.

Qualidade do ar: Atletas optam por máscaras em Pequim

A poluição do ar em Pequim também foi um problema para o Comité Olímpico Internacional e para os atletas. Apesar de se ter registado, a três dias antes da abertura dos Jogos, uma diminuição dos níveis de poluição, alguns atletas americanos optaram por usar máscaras em Pequim. Para reduzir a poluição, o governo chinês tomou medidas drásticas, incluindo o encerramento e a deslocalização de fábricas situadas na capital, a restrição de veículos e a suspensão do sector da construção civil.

O "Projecto Céu Azul" provocou inconvenientes para trabalhadores, residentes e empresas relacionadas com o sector da construção, que tiverem de assumir com os prejuízos "pelo bem da pátria".

Estas medidas acabaram por ter um impacto na qualidade do ar de Pequim, como constatou a AFP que escreveu: "O ar em Pequim está melhor... Alguns atletas sentem que o ar em Pequim ainda não é bom o suficiente, mas no final das contas, não é tão mau quanto pensavam".

"Jogos Olímpicos da limpeza étnica"

Ainda assim, a inauguração dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 ficaram marcados por momentos fortes e adversos. A cerimónia de abertura deveria ter sido dirigida artisticamente por Steven Spielberg, mas o realizador acabou por declinar o convite, devido à posição do governo chinês sobre a questão do Darfur, no Sudão.

Além de Hollywood, os vencedores do Prémio Nobel da Paz pediram, colectivamente, à China para participar na resolução da crise no Darfur. Mais de cem legisladores americanos escreveram, igualmente, ao então Presidente chinês, HU Jintao, que usasse a sua influência para resolver a crise no Sudão, caso contrário, os Jogos Olímpicos de Pequim poderiam ficar conhecidos como os "Jogos Olímpicos da limpeza étnica".

Os jogos mais caros da história

No plano desportivo, os Jogos Olímpicos de Pequim 2008 foram sem dúvida emocionantes. Os atletas Bolt e Phelps, maravilharam o mundo com habilidade e energia. O Afeganistão conquistou a primeira medalha olímpica e dois atletas, da Geórgia e da Rússia deram um abraço em campo, apesar do conflito na Ossétia do Sul. No que diz respeito à participação de atletas femininas, os jogos de Pequim registaram um número nunca antes visto. Os atletas de 204 delegações estabeleceram um total de 132 recordes olímpicos.

Os Jogos Olímpicos de Pequim trouxeram ao Governo chinês tantas críticas, condenações e dúvidas quanto oportunidades e vitórias diplomáticas, acabando por ser os jogos mais caros da história.

Esta imagem representou para a China uma oportunidade para reforçar a cooperação internacional e os investimentos nos anos pós-Jogos, deixando muitos legados positivos em Pequim: a construção de infra-estruturas urbanas, ar mais limpo, as "normas olímpicas" não se limitaram mais aos Jogos.

Os vários "incidentes indesejáveis" antes, durante e após os Jogos também proporcionaram a Pequim a experiência de intercâmbios sob tensão com a sociedade internacional. Em 2008, era difícil prever 2023, onde a China se tornou tão poderosa que não precisa nem pretende ser humilde. Nos últimos 15 anos, a China e o mundo influenciaram-se mutuamente, com um peso significativo em várias áreas da cena internacional. A China lembrou ao mundo a necessidade de se adaptar mais a ela.

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