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Artes

“Exit Above”: Tempestade de movimentos entre “blues” e “rave”

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“Exit Above - after the tempest” é um espectáculo de Anne Teresa De Keersmaeker, em colaboração com a cantora Meskerem Mees, o compositor Jean-Marie Aerts e o bailarino e músico brasileiro Carlos Garbin. A obra está em cartaz no Festival de Teatro de Avignon até 13 de Julho e é uma partitura dançada, entre blues e música electrónica. A RFI falou com Carlos Garbin que também entra em “En Attendant”, um espectáculo da coreógrafa belga que esteve em Avignon há 13 anos.

Carlos Garbin, La Fabrica, Festival de Avignon, 7 de Julho de 2023.
Carlos Garbin, La Fabrica, Festival de Avignon, 7 de Julho de 2023. © Carina Branco/RFI
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RFI: Que história conta este espectáculo ?

Carlos Garbin, Músico e bailarino: Tem várias histórias juntas. Pelo lado musical, eu diria que é a evolução da história da música gravada, do começo dos anos 20, quando a música começou a ser gravada, até à música electrónica. A Anne Teresa queria que fosse um trabalho com música pop. Então, a gente pegou a história do começo das primeiras gravações, como influência, até à música mais electrónica. A gente fez essa mistura.

O espectáculo, que também se inspira de “A Tempestade” de Shakespeare, parte da canção “Walking Blues”, de Robert Johnson, a marcar o compasso dos corpos, mas depois temos a música eletrónica a electrizar esses mesmos corpos. As canções são interpretadas pela belga Meskereem Mees, acompanhada por si na guitarra. Como foi a criação e composição das músicas para o espectáculo?

Foi muito legal porque eu e a Meskereem não nos conhecíamos e a gente não sabia o que ia acontecer da nossa relação. A gente nunca tinha feito música juntos. A Anne Teresa, no começo, convidou-a para fazer as gravações, para compor a música, mas ia ser música gravada, e aí a Meskereem disse que gostaria de participar no espectáculo, que também gostaria de dançar.

Então, eu fui convidado para fazer parte do espetáculo - porque eu já era bailarino da companhia, mas agora estou mais como freelance - e voltei para essa peça porque eu toco violão também. Eu toco “blues” bem ao estilo do Robert Johnson que ela queria ter como influência. Então, fechou bem perfeito.

E encaixou também com a voz “blues” da própria Meskereem Mees...

Isso. A gente não tinha ideia do que ia acontecer, mas desde o começo foi muito fácil para eu ir a Meskereem fazermos música juntos. A gente cada vez que ia para o estúdio, compúnhamos uma música e fizemos muito mais do que está no espectáculo. Todo os dias, a gente vinha com uma ideia nova e foi uma colaboração muito boa.

É um espectáculo de dança, mas a música está no centro da criação e dá o ritmo. É como se fosse o Carlos Garbin o maestro da dança. Mas os corpos são caixas de ressonância que acrescentam música à sua música. Faz sentido esta leitura?

Acho que sim, principalmente no começo é isso que está acontecendo mesmo. Eu estou dando o ritmo para essa caminhada e é uma caminhada que se desenvolve. Começa com passos simples e vai se transformar numa dança. Depois, quando vem a música electrónica eu também estou marcando o tempo e os bailarinos estão dançando. Então é, eu tenho meio esse papel. Depois, em função das diferentes músicas, também há coreografias completamente diferentes.

É preciso dizer que o Carlos e a própria Meskereem também entram nessa dança colectiva, nesse furor ou acalmia...

A Meskereem nunca tinha dançado antes e ela está dançando muito bem. Ela aprendeu, ela improvisa e ela faz também as frases coreográficas que os bailarinos estão fazendo.  É bem impressionante.

É um espectáculo de dança, mas a música está no centro da criação e dá o ritmo. Na apresentação do espectáculo lemos: “Se não podes falar canta. Se não podes cantar, dança”. Este espectáculo é uma forma de resistência? Contra o quê?

Eu não sei contra o quê, mas eu acho que é mais uma força de a gente estar juntos e a gente ter a nossa força junto com o ritmo. É um poder da gente, do grupo.

O Carlos Garbin já trabalhou com Anne Teresa De Keersmaeker em peças que já exploravam as relações entre música e dança...

Eu trabalhei com Anne Teresa desde 2009. Fui bailarino da companhia por muito tempo e trabalhei com ela em vários projetos. Fiz ‘The Song’, foi a primeira peça que eu fiz com a Anne Teresa e eu já toquei violão na nessa peça. Também “En Attendant” que vai estar no festival [de Avignon]. Fiz em torno de sete, oito peças com a Anne Teresa.

Como é que é trabalhar com Anne Teresa De Keersmaeker, uma referência no mundo da dança e que coloca a música no centro da sua criação?

Na realidade, eu fui para Bruxelas para estudar na P.A.R.T.S. que é a escola da Anne Teresa e fiz quatro anos de escola. Formei-me em 2008. Em 2009, entrei na companhia Rosas e estou até hoje. Então, é uma história de quase 20 anos que eu já desenvolvi com a Anne Teresa em diferentes aspectos. Primeiro, sendo um aluno da escola, depois um bailarino da companhia e é uma relação que vem dando muitos frutos. A gente fez várias peças juntos e é uma relação que se vem transformando porque comecei como estudante, depois fui bailarino da companhia, agora estou como músico e compositor e a gente já fez projectos pequenos. Às vezes, a gente vai tocar num bar, a gente ensaia algumas músicas juntos e temos essa relação bem próxima.

O Carlos Garbin é também bailarino e coreógrafo, além de ser músico. De certa forma, a composição coreográfica é a continuação lógica da composição musical?

É, tem influência. É como a caminhada do começo. Ela [Anne Teresa] falou que ela queria ter loops, uma repetição. Então, todas as frases coreográficas, eu trabalho bastante com repetição, cada bailarino criou o seu “loop” que é uma coisa que se repete. A frase de um conecta com outro, dá a variedade, mas vem tudo do passo, da caminhada, desenvolvendo dali para a dança. A música veio da mesma maneira. A gente começa só quase com a batida, só alguma coisa rítmica que, aos poucos vai apresentando mais melodia e mais variação harmónica. Do mesmo jeito, a dança também se desenvolve nesse trabalho.

A coreógrafa Martha Graham dizia que “o teatro era um verbo antes de ser um nome”... Este espectáculo vem confirmar o papel central da dança nas artes do palco?

Para mim, a música e a dança estão tão juntas que eu não tento separar. É tudo uma coisa. Para mim, a música ajuda-me muito quando estou dançando. Quando eu estou fazendo música, a dança também me ajuda muito. Também estou fazendo teatro quando estou dançando. Também estou fazendo música quando eu estou dançando. Para mim está tudo ligado, cada coisa tem a sua especificidade, mas acho que também eu não tento me apegar tanto a isso. É mais integrar. Para mim, acho que é mais importante integrar, quanto mais eu puder integrar, mais camadas eu vou ter de profundidade. Tento unir todas essas coisas, a dança, a música, o teatro.

Os próprios estilos... Passamos do blues à música electrónica, dois mundos à partida distintos, mas há uma linha que os une.

Acho que sim, principalmente com o ritmo porque as músicas electrónicas, num processo do Jean Marie [Aerts], começou como sendo bem repetitivo, com pouca variação e, aos poucos, como no projecto da coreografia também, ele foi acrescentando mais camadas, mais instrumentos, mais camadas. Foi-se tornando mais complexo. E a música também, começando só com o ritmo e a música do violão e, aos poucos, ia-se acrescentando...

Ao ponto de nos perguntarmos se estamos num blues electrónico...

É. E quando eu toco só guitarra eléctrica, fica só o barulho eléctrico muito alto, com microfonia, passando dos sons da natureza, de uma brisa que a gente não sabe se está escutando ou se não está escutando, uma coisa bem subtil, ao instrumento sozinho, só quase acústico, à voz sozinha, juntando-se também à música electrónico e até ao barulho e caos total.

E depois há elementos externos que se acrescentam ao próprio corpo, por exemplo, quando um dos bailarinos agarra no cabo do microfone e dança com ele... Além de os próprios bailarinos imitarem sons da natureza... Isso também fez parte da vossa composição? Também trabalhou este aspecto musical?

Com certeza. Os elementos da natureza, o vento e o som dos passarinhos, a gente faz com o nosso corpo e a gente pode fazer também com a tecnologia, com o microfone a rodopiar. Há um contraste também subtil de quase nada acontecendo para muita coisa acontecendo, muita informação, volume e diferença de volume.

O Carlos Garbin já esteve em Avignon...

É a terceira vez que eu estou a participar no festival. A primeira vez foi em 2010, na estreia do “En Attendant” que foi uma peça que fez muito sucesso até depois.

Tanto é que voltou este ano...

Por muitos anos a gente dançou essa peça que é a peça que a gente faz no pôr do sol, a peça é ao ar livre, começa no pôr do sol e vai ao anoitecer. No ano seguinte, a gente fez “Cesena” com a estreia aqui também, que a foi a peça que a gente fez ao amanhecer. A peça começava às cinco da manhã no escuro e a coreografia aparecia ao contrário de “En Attendant”. Agora, é a terceira vez que estou participando com o “Exit Above”. Na semana que vem, a gente vai estar refazendo o “En Attendant” 13 anos depois da estreia aqui.

É representativo e simbólico?

Sim, é. O “En Attendant” foi a segunda peça que eu fiz com a companhia Rosas depois de todos esses anos. Estar a apresentar aqui um trabalho novo como bailarino e músico e também ter a oportunidade de fazer um trabalho que eu fiz há muitos anos é muito gratificante.

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