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Vida em França

Humor franco-português de David Castello-Lopes em Avignon

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O jornalista e humorista franco-português David Castello-Lopes está no Festival Off Avignon com o seu primeiro espectáculo, “Autêntico”, até 29 de Julho. A solo, David Castello-Lopes fala sobre o que é suposto ser “autêntico” e “verdadeiro” e brinca com clichés associados aos portugueses que vivem em França e de que ele também foi alvo.

David Castello-Lopes, Théâtre du Rempart, Avignon, 8 de Julho de 2023.
David Castello-Lopes, Théâtre du Rempart, Avignon, 8 de Julho de 2023. © Carina Branco/RFI
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O que é autêntico e o que não é? David Castello-Lopes ficou conhecido, em França, pelos seus vídeos humorísticos, de alguns minutos, sobre os mais diversos temas para as estações televisivas francesas Canal + e Arte, para a rádio Europe 1, e para o canal suíço RTS. Vários dos seus vídeos tornaram-se virais na internet e muitos incluem canções paródicas que foram replicadas milhares de vezes nas redes sociais.

RFI: Como é que surgiu a ideia de montar um espectáculo e levá-lo a palco? 

David Castello-Lopes, Autor de “Authenticité”: Acho que foi um desafio. Comecei a fazer vídeos há mais de 10 anos. Vi que era capaz de fazer vídeos e foi um desafio tentar criar uma coisa para o palco. Também há outra resposta que é, eu gosto de estar no palco. Conheço várias pessoas que fazem vídeos e não têm a mínima vontade de ir para o palco, mas eu gosto de ter gente em frente e ouvir os risos. É uma coisa que nunca ouço quando faço vídeos porque vejo que há várias pessoas a escrever umas palavrinhas por baixo, mas nunca ouço os risos.

Porque é que decidiu falar sobre a autenticidade?

Porque acho que é um tema que diz respeito a todos os seres humanos, não é? É uma coisa muito humana, é universal e é uma questão que só diz respeito aos seres humanos porque nunca a gente se pergunta se um salmão diz a verdade, se um leão marinho é sincero e por isso era uma coisa universal, humana. E também há muitas piadas para fazer, muitas brincadeiras a dizer sobre o tema da autenticidade. Queria que o meu espetáculo tivesse um tema unificador e pareceu uma boa ideia de escolher a autenticidade.

O David faz habitualmente cronicas em vídeo de alguns minutos. Aqui o formato passa para mais de uma hora… Quais foram as dificuldades?

Foi encontrar um ritmo lento porque os meus vídeos são curtos, mas o ritmo é frenético. Fazer um espectáculo frenético de uma hora e meia, acho que seria muito cansativo para as pessoas que estão no público e, por isso, era encontrar passagens onde eu falo um bocadinho mais devagar, onde o ritmo é um bocadinho mais lento para não ser um tipo de agressão de uma hora e meia.

E foi por isso também que utilizou os vídeos e a música? Para dar mais ritmo?

Exactamente. São  respirações.

No espectáculo, faz uma piada logo a abrir com Portugal e a Lista de Schindler. Porquê esta piada que é bem polémica?

Não sei se é tanto polémica é, quer dizer, eu gosto imenso de fazer o sotaque português em francês. Gosto muito de fazer esse sotaque. Eu lembro-me bem de há uns anos imaginar que os nazis eram portugueses e estava com amigos e comecei a imitar os nazis e não parei de rir cinco minutos. Na altura, nem estava em questão fazer um espectáculo, mas quando comecei a escrever o espectáculo quis fazer um nazi português. O problema que eu tinha é que esta piada não tem nada a ver com autenticidade e, por isso, é que a piada está no início do espectáculo porque era a única posição onde podia estar.

Acha que o seu espectaculo poderia funcionar em Portugal, tendo em conta que brinca com o sotaque…

Houve pessoas que me perguntaram se não podia fazer o espectaculo em Portugal, mas é difícil porque não posso fazer o sotaque português em francês em Portugal, seria uma coisa estranha e há varias cosias que são tipicamente para um público que fala francês. O que poderia fazer era para um público português que fala francês.

Acho que os portugueses riem de tudo?

Sim.

E porque é que os franceses riem tanto com as piadas sobre portugueses? Você disse no espectáculo que as pessoas precisam de confirmar os clichés…

Sim, é uma coisa que eu dizia antes, na versão do espectáculo que fazia no ano passado, é que o racismo contra os portugueses ninguém se importa em França. Não é bem um racismo porque para somos pessoas brancas de pele…

Xenofobia?

Ha discriminações e clichés sobre os portugueses em França e ninguém acha que é um tema muito importante. Eu, sendo judeu, também vi uma diferença enorme entre a maneira como o antisemitismo era tratado em França e a maneira como a discriminação contra os portugueses era tratada. Para mim é a mesma coisa, não há diferença enorme. Posso gostar ou não gostar de uma piada antisemita, como não posso gostar de uma de uma piada contra os portugueses, mas para as pessoas é muito mais grave uma piada sobre os judeus e não entendo muito bem porquê.

Os portugueses que vivem em França passam a vida a ouvir piadas sobre eles. O facto de as levar para o palco não comporta o perigo de as continuar a perpetuar ou, pelo contrário, vai desconstruir e ajudar, se calhar, os franceses a olharem para dentro?

A minha posição é que estas piadas não são muito graves, nem para os portugueses, nem para qualquer outra minoria. Isto é a minha posição. Por isso, acho que não há problema. A coisa que eu acho importante é a intenção. Se há uma intenção má atrás de uma piada, se a piada for sobre a cor de pele ou uma nacionalidade ou uma minoria sexual, não gosto e acho que não é ok. Se a piada não é má, não há piada que não seja aceitável.

Com o humor, pode-se dizer tudo?

Exactamente, mas não em frente a toda a gente.

Também brinca com o hino português e com uma certa megalomania portuguesa…

Sim, é uma coisa que eu acho carinhosa. Às armas, às armas do exército português, no fim do século XIX, diziam isso aos ingleses, e não houve um segundo em que os portugueses pensaram que podiam ir numa guerra contra o exército inglês. Mesmo assim escreveram este hino que diz o contrário. Pronto, é carinhoso.

É filho do fotógrafo e distribuidor  de cinema português Gérard Castello-Lopes. Portugal aparece de vez em quando nos seus ‘sketches’, como o pastel de nata na série “Depuis quando”… Qual a ligação afectiva e artística que mantém com Portugal?

A ligação afectiva é enorme. É mesmo uma parte da minha identidade. Passei quatro meses por ano em Portugal até os meus 18 anos, tenho as duas nacionalidades. Não passo lá muito tempo agora, mas sempre que ouço, por exemplo, fado, ponho-me a chorar. Ponho-me a chorar porque sou português e isto vai tocar uma coisa no fundo do coração e acho que irei viver em Portugal mais uma vez. A ligação artística é mais o meu pai. O meu pai era francês também, mas era mais português do que francês, e passou muito mais tempo em Portugal, a maioria da sua vida, a sua vida profissional passou-se em Portugal. As fotografias que ele tirou foram muito em Portugal e, por isso, é que tenho esta ligação por ele.

No espectáculo brinca com a vaidade que é ter estudado na Universidade de Berkeley. Um estudante de história e de jornalismo torna-se no criador de uma nova narrativa jornalística 2.0. O jornal Le Parisien chamou-lhe o jornalista mais divertido de França. Como é que faz a ponte entre estes dois universos sem perder a credibilidade jornalística, por um lado, e sem perder a piada, pelo outro?

É preciso nunca misturar as piadas com os factos, com a verdade. Quer dizer, quando estou a dizer uma coisa jornalística, não se pode ter nenhuma dúvida sobre o facto de eu estar a dizer uma coisa verdadeira e a piada e sobrepõe-se. Sobre o artigo do Le Parisien,  do parisian, não sei se é um presente muito bom porque agora as pessoas que não me conhecem estão sempre a dizer: “Ah, tu és o jornalista mais divertido de França, faz lá uma piada para eu ver”. É muita pressão.

Também canta – no passado chegou a ter uma banda - e tem músicas de crítica social de pendor humorístico que se tornaram virais na internet. Por exemplo, "Sou pobre mas sexy" ou "Je Possède des Thunes" ("Tenho massa"). O que o levou a fazer estes videoclipes e esta música?

Eu tinha uma banda, a música sempre foi muito importante para mim. Quando comecei a fazer os meus próprios vídeos, uma maneira que eu tinha de fazer umas piadas era de cantar o que eu tinha a dizer, em vez de só dizer estas coisas. E também a reação do público foi muito boa, por isso continuei, pensando que gosto de fazer música, gosto de fazer estas dancinhas e parece que o público também gosta, por isso continuei.

O espectáculo "Authentique" vai estar em Avignon até 29 de Julho, mas também em Paris a 29 e 30 de Setembro (Le Trianon), a 10 de Novembro (Folies Bergère) e a 6 de Junho de 2024 (Olympia). O espectáculo vai também estar em digressão em França a partir de Setembro.

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