Marina Gomes leva os bairros pobres para o palco de Avignon
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Na fronteira entre dança hip-hop e teatro, o espectáculo de dança 'Asmanti [Midi-Minuit] mostra a vida nos bairros pobres. Esta é uma peça assumidamente política de Marina Gomes, coreógrafa e bailarina, para quem é uma conquista “levar o bairro para a cena” de Avignon. O objectivo é lutar contra o olhar exterior que “desumaniza” as pessoas que vivem nesses bairros. O espectáculo está no Festival OFF Avignon até 20 de Julho.
RFI: O que conta o espectáculo 'Asmanti [Midi-Minuit]?
Marina Gomes, Coreógrafa e bailarina: Esta peça trata da vida nos bairros populares que têm momentos bons e outros mais violentos e difíceis.
O espectáculo é muito actual e está em Avignon pouco tempo depois da morte de Naël, um jovem assassinado pela polícia. Este espectáculo é também político?
Claramente. É actual, mas também de todos os tempos porque já há dois anos outro jovem foi assassinado e também noutros anos. Nada de novo. Por isso é que esta peça, infelizmente, é de todos tempos.
O que significa este título do espectáculo 'Asmanti [Midi-Minuit]?
Significa “Mon ciment” em francês, “o meu cimento”. Para mim, é algo que pode construir, mas também algo de onde não se pode mover e do meio-dia à meia-noite é o tempo em que se compra a droga nos bairros.
É por isso é que escolheu um espectáculo encenado como um plano-sequência?
Sim.
Mostra-nos a sua visão dos bairros sensíveis onde viveu e onde vive. Que espaço é este de prisão e cimento, espaço de jogo, lugar de abertura, de fecho?
É um lugar de onde há muita gente, muita gente fora. Muitos momentos para rir, para jogar, futebol, há muita coisa…
Momentos para dançar?
Também, porque o hip-hop é uma dança de rua. É muito importante, o hip hop tem de estar nos bairros, agora há em muito hip hop nas salas de dança e não tanto na rua. É muito triste.
Foi na rua que aprendeu a dançar?
Sim e não. Aprendi ballet e dança contemporânea no conservatório. Mas o hip hop na rua, com amigos.
Como é que a dança pode emancipar quem vive nos bairros pobres?
Na dança é onde estamos super juntos. Falamos muito, fazemos espectáculos noutros lugares, encontramos outros bailarinos. É uma maneira de contar coisas a mais gente.
E de ser ouvida?
Sim, em Avignon sabemos todos que é uma cidade burguesa com o mundo da cultura, que não é o mundo dos bairros, e a gente da cultura está connosco. E isso é incrível para mim: levar o bairro para a cena.
Além da dança, a música tem um papel central na peça. Começa com reggae e depois vai para a música electrónica que se vai intensificando. Como é que foram as escolhas e a criação?
A composição é de Arsène Magnard. Sim, o que quero é uma composição como na música do cinema, dos filmes, é muito importante. Porquê? Eu não conheço muito o teatro, mas vi muitos filmes.
O que significa para si estar em Avignon?
Uma oportunidade porque o que pode acontecer depois disto é levar a peça para o mundo.
É um espectáculo na fronteira entre hip-hop e teatro. Porquê este cruzamento entre cultura urbana e clássica?
É muito natural. Para mim, no bairro, falamos muito, rimos muito e, para mim, se for só dança falta algo. E também o texto, na parte do rap, que é de Jul [rapper]. Para mim, isso é importante, falar como se fosse algo clássico, mas não, é rap.
É coreógrafa e bailarina. Está agora em Avignon. Esta é a sua primeira peça. O que é que a levou a escrever esta primeira peça?
Contar a minha vida e também para as pessoas conheçam o meu mundo porque se há tanta gente que tem medo dos jovens dos bairros é porque não os conhecem.
Sente-se injustiçada, de certa forma?
Este medo, que é também para mim algo político, é muito perigoso porque há gente no bairro que pode morrer assim como o Naël, como se não fossem seres humanos, como se fossem uma ameaça. Falamos de desumanização das pessoas dos bairros. Para mim, é muito perigoso. Então, era necessário levar as pessoas a terem um olhar diferente, mais humano.
Qual é que tem sido o seu percurso até agora nas artes do palco?
Comecei no ballet aos quatro anos numa pequena escola. Depois, o Conservatório de Toulouse em ballet e dança contemporânea. Depois estudei psicologia, tenho oito anos na Universidade de Toulouse porque o meu pai queria que eu tivesse algo sério porque a dança não é um trabalho na minha família.
Mas, agora, quando o pai – português - a vê no Festival OFF Avignon, o olhar muda?
Sim, sim. Quando disse ao meu pai que ia fazer uma entrevista em português, ele disse-me, pela primeira vez, que tinha muito orgulho. E durante cinco anos fui psicóloga na protecção da infância em Paris.
Mas nunca abandonou a dança…
Não, não. Nunca.
O que é que aconteceu para agora se dedicar inteiramente à dança?
Fui para a Colombia para um ano sabático e no momento de voltar para França senti a necessidade, que era o bom momento. O destino.
É filha de um português. Mantém uma ligação com Portugal?
Há alguns anos que não vou a Portugal mas, este ano, em Agosto vou voltar à minha aldeia, Apúlia, ao lado do Porto. A minha família é de Braga e desde a minha infância vamos, todos os anos, à Apúlia.
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