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Atentados de 13 de Novembro: Testemunhar pela “memória” das vítimas

Em Paris, continua o julgamento dos atentados de 13 de Novembro de 2015 que fizeram 130 mortos. Esta é a quarta semana de testemunhos de sobreviventes e familiares de vítimas e esta sexta-feira uma das pessoas que vai prestar declarações é Patricia Correia, mãe de Precilia Correia que morreu com o namorado no Bataclan. “É pela memória da minha filha e do namorado dela”, resume Patricia, quando questionada sobre o que a leva ao tribunal.

Desenho da sala de audiências criada para o julgamento dos atentados de 13 de Novembro de 2015. Palais de Justice de Paris.
Desenho da sala de audiências criada para o julgamento dos atentados de 13 de Novembro de 2015. Palais de Justice de Paris. AFP - BENOIT PEYRUCQ
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Ao longo de quase seis anos, Patricia Correia tem "lutado pela memória da filha e do namorado dela”, mas também para que não se esqueçam todas as vítimas dos ataques de 13 de Novembro de 2015. Foram 130 pessoas que morreram em diferentes espaços de Paris e de Saint-Denis que ela assinalou com estrelas num mapa que desenhou e onde escreveu o nome da associação de que é vice-presidente: 13ONZE15, a remeter para o dia, o mês e o ano dos atentados. “Pintei o ‘O’ de vermelho porque quando se lê de uma vez, vemos o número 130. São os 130 mortos”, descreve.

É na sua casa que Patricia volta a receber a RFI, onde o quarto de Precilia se mantém quase igual. É que a sua vida também ficou em suspenso e a única coisa que faz sentido é “a luta em nome da memória” da filha. Depor no julgamento que está a decorrer em Paris é “uma etapa muito importante para tentar avançar” e para ver cumprida a missão que se deu de “inscrever o nome da filha na História de França”.

Para o julgamento, preparou um texto de seis páginas em que descreve o vazio desolador de ter deixado de ser mãe e em que lembra como era a sua filha. Também preparou fotografias dela e do namorado, da Ponte 25 de Abril “porque ela adorava Portugal e adorava tirar fotografias”, dos bilhetes do concerto de Eagles of Death Metal e das últimas mensagens que trocou com ela pouco tempo antes do ataque.

Quando questionada sobre que força é essa que a leva ao tribunal para testemunhar na presença dos arguidos, nomeadamente um membro do comando jihadista dessa noite, Patrícia diz que os vai olhar nos olhos e responde, determinada: “É pela memória da minha filha e do namorado dela. Não posso imaginar que não vou falar. É muito difícil porque vai provocar muita emoção, muita tensão, mas eu vou fazê-lo. É uma etapa muito importante para tentar avançar e fixar a memória da minha filha na eternidade.”

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Patricia Correia

Ao final do dia, na sala de audências do Palais de Justice de Paris, Patricia descreveu a dor que a acompanha diariamente e que a vai “acompanhar até ao último sopro de vida”.

Quando cruzo uma mãe com a sua filha, as minhas entranhas contorcem-se, nunca mais vou ouvir a palavra 'mamã', nunca mais vou ouvir a chave na fechadura que anuncia que ela vai entrar, nunca mais verei o seu nome a piscar no meu telemóvel, nunca mais teremos momentos de alegria, nunca mais ouvirei as suas gargalhadas. Vivo com a sua presença, recuso que a palavra 'luto' faça parte do meu vocabulário, tento fazê-la viver através de mim, mas como é difícil este combate. É o inferno diário, ninguém a não sermos nós podemos compreender o que sofremos, alguns dizem-me que é a vida mas eu respondo que é a morte.

Esta mãe fez ainda questão de sublinhar “todos os obstáculos que enfrenta perante diferentes instituições” para obter ajuda em diferentes áreas. “Temos de estar constantemente a provar que não estamos bem, que sofremos, mostrar o que vivemos diariamente (…) Nós não escolhemos esta situação, foi algo que se impôs a nós e que acabou, de um dia para o outro, com tudo o que construímos na nossa vida.”

Ainda na entrevista à RFI, Patricia Correia acredita que houve “falhas da parte do Estado” e conta que, em Janeiro de 2016, integrou uma queixa colectiva de 30 famílias relativa “às falhas do Governo”. “Os serviços secretos entre a França e a Bélgica não funcionaram e o Bataclan era alvo há muitos anos de ameaças e quando houve os atentados no Cairo em 2009 já tinha sido mencionado. A queixa foi indeferida duas vezes. O advogado que representava o Estado mostrou que o Estado não tinha nenhuma responsabilidade. É algo que lamento porque houve falhas. Espero que - num outro julgamento porque este julga os terroristas - se conheça toda a verdade sobre as falhas cometidas pelo Estado, pelo Governo, pelos serviços secretos”, considera.

Patricia Correia lembra, ainda, que nas primeiras homenagens às vítimas, o então primeiro-ministro Manuel Valls lhe disse que se sabia que uma sala de concertos estava ameaçada sem dizer qual. “Se eles sabiam que uma sala de concertos de rock estava ameaçada, deveriam ter reforçado a segurança junto de determinadas salas”, conclui.

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